Arquivo do mês: outubro 2013

PEQUENA CRÔNICA DO MEDO

Cao de Fo chines em bronze olhos de vidro lapidados 10x8x6cm. R$ 300,00 Esta pequena história já faz parte da tradição oral brasileira e me foi contada por uma das minhas professoras, (D. Elisa Cláudia).
A origem parece irremediavelmente perdida, mas consigo ainda situa-la na terra de um dos casais 20 que tenho o prazer de conhecer a muito tempo (também meus professores, Celso e Heloisa), o já lendário e misterioso Mato Grosso do Sul e mais especificamente numa longínqua fazenda à beira do Pantanal.
O protagonista, conhecido capataz calejado nas lides do trabalho rural era o próprio João sem medo. De nome Juvenal, nasceu, cresceu e nunca saiu daquelas terras que conhecia como a palma da sua mão. Eficiente no trato com o gado e com os cavalos dominava com o olhar aquela turma toda que se desenvolvia nas atividades do dia a dia da fazenda (muito provavelmente de propriedade da família Rondon).
Todavia, sua principal característica (e por isso conhecido não apenas na região, mas no Estado todo) era sua intrepidez, seu caráter destemido, arrojado e por que não dizer sua coragem sem limites e sua consequente valentia a toda prova.
Juvenal tinha apreendido o que sabia com o pai e já em tenra idade nadava em rio de piranhas, pegava touro à unha, descascava cobra na hora da fome e chegou a se espalhar a fama de que as onças pintadas (e até os porcos monteses) disfarçavam para não ter que encontrar com ele, quando caminhava no meio do mato.
Seu café da manhã (já quase às cinco horas da manhã, após ter feito a ronda inicial para verificar o funcionamento da fazenda) consistia num quilo de carne bovina muito mal passada, acompanhada de um litro de leite (ainda morno após a primeira ordenha do dia) e uma dúzia de bananas que, segundo ele, seriam indispensáveis para poder aguentar até as onze horas, horário em que impreterivelmente costumava almoçar (independentemente do local da fazenda em que estivesse trabalhando).
Exigia que o café sem açúcar, que costumava beber várias vezes por dia estivesse sempre fervendo, fato este que costumava comprovar jogando pequeno jato no rabo do perdigueiro “Getúlio” que invariavelmente o acompanhava. Desnecessário dizer que se o Getúlio não se incomodava muito com a ousadia do seu dono, ele devolvia o café.
Certo dia, ou melhor, certa tarde, no fim da faina aparentemente interminável, a turma já reunida no alpendre anexo à casa principal, como de costume, em volta do fogo e do quentão, tocando viola e sanfona para cantarolar velhas musicas sertanejas bem ao gosto da rapaziada, alguém (certamente corajoso) perguntou:
– Juvenal, me diz uma coisa, disse um dos peões atraindo a atenção dos presentes,
(se fez um silêncio sepulcral como se a turma já adivinhasse o teor da pergunta).
– Você tem medo de alguma coisa? Perguntou.
O velho Juvenal não pensou duas vezes para responder,
– Claro falou de supetão, sempre tive medo dos “malamens”.
Perplexa, aquela gente simples que teria apostado que o Juvenal não tinha medo de nada, respondeu quase ao uníssono:
Malamens? Que raio de bicho é esse? Perguntaram cheios de curiosidade.
E o Juvenal, na maior honestidade que lhe foi possível, respondeu: Eu não sei, não, mas se o nosso Senhor Jesuscristo tinha medo deles, eu também tenho.
A turma não conseguia superar a sua perplexidade quando veio o complemento da explicação do Juvenal:
– Ora, não lembram que até rezava para seu Pai pedindo: “e livrai-me de todo malamen”.
Ninguém mais abriu a boca (a absoluta maioria porque continuou sem saber que raio de bicho era aquele e certamente a minoria jamais esquecerá do único medo que o Juvenal tinha nesta vida).
Ao que se sabe, naquela tarde a serenata foi concluída antes da hora, provavelmente com medo dos “malamens”.

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PRESENÇA CULTURAL MEXICANA NO BRASIL

Cidade da Música Temporariamente usente do teclado por razões pessoais, volto com uma das melhores noticias dos últimos tempos: A presença cultural mexicana no Brasil.
Simples assim, sem violência,sem black blocks, sem elefantes, sem partidos políticos e sem policia.
A Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, através da sua Secretaria de Cultura, em parceria com o Consulado do México na Cidade Maravilhosa, se integrando aos esforços para a realização do IV Festival de Violão da UFRJ, apresentam o espetáculo: “MÉXICO DOS MEUS SONHOS” a ser realizado na próxima quinta feira, 24 de outubro do presente, as 20:00 horas, no Teatro Municipal Carlos Gomes (Rua Pedro I, 4 / Centro / Tels.: 2215-0556 e 2224-36-02).
Nada mais satisfatório, finalmente um intercâmbio desejável, sem competições, sem medalhas e aparentemente sem vantagens para ninguém.
E é aqui que radica o aparente engano, porque na verdade, lucram todos, ambos os países, mexicanos e brasileiros, elites e povo, autoridades e comunidade, músicistas e melômanos, todos, em fim, levando vantagem, não ao estilo Gerson, por não envolver os tais fins lucrativos, mas enriquecendo o espírito numa audição que promete ser inesquecível.
Neste evento singular deverão brilhar a Orquestra de Violões da Universidade Nacional Autônoma do México, sob a regência do Professor Rodrigo Lara Alonso e o octeto mexicano de cordas “SICARÚ”.
Ao parecer, nem tudo está perdido.
Desfrutem-o e sejam felizes.
HB

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2 DE OTUBRO DE 1968

Memoria priísta Impossível esquecer os fatos ocorridos em dois de outubro de 1968 na Praça das três Culturas  na cidade do México (Nonoalco Tlatelolco). Impossível esquecer o massacre, mesmo passados 45 anos. Impossível compactuar com o assassinato coletivo, com a imposição de uma vontade política custe o que custar, gerada pela ignorância a vaidade e o egoísmo;  impossível admitir a arbitrariedade, o cinismo, a prepotência e o abuso das autoridades sabendo-se totalmente impunes.
Não podemos deixar passar esta data macabra na qual foram assassinados colegas, professores e alunos de todos os níveis de ensino, público e privado, reivindicando investimentos em Educação e Saúde quando as autoridades mexicanas já tinham decidido investir apenas na organização dos IXX Jogos Olímpicos da era moderna.
Apenas algumas letras em homenagem aos heróis anônimos que deram sua vida protestando, exercendo seu direito de expressão (na época, os vândalos não tinham feito sua estreia no caótico cenário urbano) e que segundo as próprias autoridades (obviamente escondendo a verdade na tentativa de minimizar os fatos) teriam morrido (apenas) 500 civis aproximadamente, quando reunidos em praça pública foram metralhados desde helicópteros oficiais em voos rasantes.
Curiosamente, estamos falando de data coincidente com o nascimento do Mahatma Gandhi. Triste homenagem ao paladino da resistência pacífica.
O Brasil já teve experiências semelhantes, não sei si desta gravidade, mas que custaram 21 anos de retrocesso democrático, 21 anos sem direitos civis, perante as decisões  esdrúxulas do grupo no poder.
Já tive oportunidade de falar sobre este triste episódio na história do México e consequentemente na história da arbitrariedade e da prepotência na América Latina. Não podemos esquecer e muito menos desconhecer a história, sob o risco de repetirmos os mesmos erros cometidos no passado, tanto por parte dos repressores como por parte dos reprimidos.
Estes fatos, tanto no México como no Brasil (em função do aparecimento dos vândalos, aparentemente sem objetivos, isto é, não conseguimos ver filosofia alguma na destruição de orelhões, de pontos de ônibus ou de mobiliário urbano como um todo), nos faz pensar na nítida vontade política de criminalizar o protesto social (pacífico) numa associação direta com a barbárie e a violência irracional, eventualmente provocada por grupos políticos, criando na opinião pública, juízos errados na avaliação das políticas repressivas em vigor.
Por outro lado, estamos absolutamente convencidos (mesmo não sendo seu objetivo principal) de que os vândalos vem ensinando às autoridades municipais, estaduais e federais a correta leitura das vozes das ruas e ainda por cima, de que sem eles (infelizmente), poderíamos protestar pacificamente pelos próximos vinte anos sem que nada, absolutamente nada, ocorresse sob o céu estrelado do Cruzeiro, o mesmo do lábaro pátrio e daquele que continua a resplandecer em nossos corações.

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DIA INTERNACIONAL DO IDOSO

maos_idoso Alguém (juro que não sei quem foi) decidiu cunhar uma das frases mais falsas e mentirosas de que se tem noticia, achando que a terceira idade seria “a melhor idade”. Imagino que tenha acontecido quando o Brasil ainda era o país do futuro, mas a expressão ficou totalmente desmoralizada quando o grande baiano Jorge Amado, em entrevista televisionada, foi solicitado por uma jovem repórter para transmitir uma mensagem para os jovens. Ele, absolutamente relaxado, com uma fala arrastada (como bom baiano) e provavelmente refletindo um saco absolutamente cheio e enfastiado com o tipo de perguntas que lhe eram formuladas, falou: “O QUE POSSO DIZER PARA A JUVENTUDE, SEM MEDO DE ERRAR, É QUE A VELHICE É UMA MERDA”, com o que encerrou a tal entrevista em que teve que responder pela milésima vez, o porquê de ter-se tornado comunista, quando encontrou a Zélia pela primeira vez, qual a sua personagem preferida entre Gabriela, Dona Flor, Tieta do Agreste e Teresa Batista cansada de guerra e qual a profissão que teria escolhido se no fosse escritor.
De qualquer forma não me sinto a vontade para comemorar um dia que, em que pese a minha avantajada idade, ainda não sinto como meu.
Tudo bem, sou do tempo em que todos os telefones eram pretos, a televisão fazia sua estreia num mundo incrédulo perante os avanços da tecnologia, não existiam aviões a jato e muito menos computadores individuais (o único existente na minha universidade, ocupava várias salas enormes, funcionava com cartões perfurados e a gente não se aproximava muito com medo de explosão). Nunca usei fraudas descartáveis e cresci acreditando em Papai Noel e no coelhinho da páscoa, além de nunca ter desconfiado que as lutas do telecatch fossem de mentirinha.
Meu mundo não era descartável, pelo contrário tudo era “guardável”, o jornal velho servia para embrulhar qualquer objeto e principalmente para secar os vidros das janelas, as roupas dos mais velhos eram herdadas pelos mais novos e até os furos nas meias exigiam ovos de cerâmica e dedais para serem cerzidas.
Ainda me revolta a forma como as crianças curiosas (e mal educadas) tratam os seus brinquedos e sou capaz de pagar qualquer preço por um brinquedo de lata (eram de corda) da década de 50 e estou decidido a pedir a Deus (para a próxima encarnação) a difícil prova da riqueza, apenas para fazer uma coleção dos charmosos carros “rabo de peixe” da minha mocidade.
Tudo bem, nem todo tempo passado foi melhor e hoje, até consigo fazer amizade com os frequentadores das filas para idosos criadas pelos bancos para atender os seus clientes com conforto (e ainda tem quem fale que são para poder garfar os parcos proventos das aposentadorias e das pensões).
Todavia, nem tudo são queixas e saudades, hoje, por exemplo (tenho testemunhas), em pleno dia internacional do idoso, criado pela Organização das Nações Unidas para conscientizar a população mundial para os problemas do envelhecimento da sociedade como um todo, fui abordado quase que de forma irreverente (porém ainda contida) quando já na boca do caixa no meu banco favorito, fui interpelado por uma senhora indignada com o que imaginou fosse uma ousadia da minha parte, perguntando se eu (por acaso) tinha sessenta anos.
Quando falei que não tinha sessenta mas setenta anos, pediu para ver a minha carteira de identidade e surpresa além de profundamente contrariada, não esperou pelo meu muito obrigado (certamente não dispunha de tempo a perder em papo fiado com um velho como eu).
De fato, passei a ver o dia internacional do idoso com mais simpatia.

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