Arquivo do mês: agosto 2013

ADEUS

Brinquedo Antigo Casal de mexicanos h=32cm. R$ 120,00 Aproveito os intervalos das “Verdades Mentirosas” para mergulhar de vez nas antigas poesias inéditas que marcaram alguns dos momentos mais significativos da minha vida. Ninguém está para ouvir (ou ler) e aparentemente ninguém está a fim de contar, mas a melancolia (apenas como sentimento de vaga e doce tristeza que compraz e favorece o devaneio e a meditação), nos permite as lembranças (por vezes doídas) do nosso passado (remoto ou recente, porém marcante).
Neste sentido o difícil “ADEUS”, quando necessário, nos marca para sempre.

ADEUS
Apresso-me em responder, já são as seis,
     a vida, chama, e como tal, se apaga.
Compreendo a angústia que essa chama acesa lhe provoca,
     também a sinto e lentamente, juntos, a extinguimos.
Qualquer coisa faria para lhe poupar dessa agonia,
     martiriza-me a culpa que se esconde na (in)consciência.
Daria-me por inteiro se pudesse e
     enxugaria (com meus beijos) pelo menos uma das suas lágrimas.
Parece tarde para arrependimento, mas
     uma declaração de amor (e uma poesia), estava lhe devendo.
De fato, não mais poderíamos viver no mesmo teto,
     mas a vida daria para passar mais um instante do seu lado.

Isso é amor, me torna piegas e poeta.
Nem sempre é compatível e muito menos coincidente,
     mas é fervente, desafia a mais coerente das criaturas.
Será sua resposta o oráculo divino que esperava?
     para no fim, calado, morrer de tristeza (e incompetência).

HB

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VERDADES MENTIROSAS II

Pinocho articulado Cofrinho em madeira policromada 33x23x13cm. R$ 250,00 HB

I.- A GÊNESE
 
CONVITE OFICIAL PARA O GRANDE BAILE COMEMORATIVO DA CHEGADA DA PRIMAVERA, A SER REALIZADO NA SEDE SOCIAL DO CLUBE FLUMINENSE.

O Clube Fluminense tem a honra de convidar V.Sa. e sua Ilma. Família para participar do Grande Baile Comemorativo pela chegada da Primavera, que terá lugar na próxima sexta feira aos dezessete dias do mês de setembro do presente ano, na sua Sede Social, localizada no Solar do Visconde do Rio Seco, sito à Praça da Constituição, Antigo Largo da Polé, 67 (*), nesta Histórica, Muito Leal, Heroica e Digníssima Capital do Segundo Reinado, Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.
Pede-se a presença exclusiva de convidados, em traje de Gala Completo, pontualmente às 19:00 horas, de forma a poder recepcionar condignamente, à Família Imperial.
(Para os Ilmos. Senhores portadores de uniformes militares, comunica-se que medalhas, distinções honoríficas, armas e galardões, poderão ser utilizados conforme padrões estabelecidos em lei).

Setembro do ano do nosso Senhor Jesuscristo de 1865.
A DIRETORIA

Embora SM Dom Pedro não tivesse comparecido ao Clube Fluminense naquela ocasião, preocupado que estava com o desenrolar dos fatos de guerra na frente paraguaia, costumava frequentar alguns bailes acompanhado de sua digníssima família. Prestigiava aqueles promovidos por clubes ou por membros destacados da sociedade, notadamente pelos barões do café. SM chegou de fato a criar certa fama de pé de valsa e enfrentava as quadrilhas e as polcas com alegria e até com alguma frivolidade. Dançava com varias damas, aparentemente com a anuência de D. Teresa Cristina. As filhas, Isabel e Leopoldina, dançavam apenas com mulheres e às vezes quando possível, com príncipes estrangeiros. A imperatriz, mesmo puxando de uma perna, arriscava com certa desenvoltura alguns schottisches, olhando sempre para o Imperador, seu marido, com admiração e respeito. A Condessa de Barral zelava apenas, entre esporádicos suspiros, pelo comportamento das princesas.
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(*) Atual Praça Tiradentes (a partir de 1890).

Trinta anos tinham-se passado desde a morte de Dom Joaquím José de Azevedo, o Visconde do Rio Seco e aparentemente, ninguém mais se lembrava daquela figura nefanda, misto de herói e bandido, proprietário do casarão, sede do exclusivo Clube Fluminense, entre 1812 e 1835, ano de sua morte. Homem inteligente e muito rico exerceu cargos diversos na Casa Real desde o tempo de D. Maria, à época ainda Barão do Rio Seco e tornou-se homem de confiança do PR D. João, a ponto de organizar em tempo recorde e de forma brilhante, a fuga da Família Imperial para o Brasil. (*)
Muitos boatos foram gerados em torno do seu nome e algumas verdades, aparentemente mentirosas, lhe geraram a fama de corrupto, desonesto e traidor do povo português.
Quem furta pouco é ladrão,
Quem furta muito é Barão,
Quem mais furta e esconde, passa de Barão a Visconde.
Furta Azevedo no Paço,
Targini rouba no erário,
e o povo aflito carrega, pesada cruz ao calvário. (**)
Tratava-se certamente de homem organizado, metódico, com inegável capacidade de liderança e principalmente capaz de passar por cima de qualquer obstáculo para atingir seus objetivos. Tanto foi assim que em 24 de novembro de 1808 tendo recebido ordens específicas de D. João para organizar o embarque da fuga, consegue, em menos de três dias, sob o mais absoluto sigilo, aprontar em detalhes, a grande odisseia do Império.
O Barão, futuro Visconde de Rio Seco pela vontade e a gratidão de D. João, numa demonstração de prestigio e confiança por parte da Família Imperial, determinava quem e onde deveriam ser embarcados os mantimentos e a quantidade de água necessários para suportar pelo menos dois meses de travessia marítima, além de absorver a responsabilidade das decisões, notadamente quanto ao esquema de segurança e controle da operação, sem falar no destino e acomodação das bagagens, das armas, dos utensílios, das joias, enxovais, documentos e arquivos daquela Corte, já em verdadeiro pandemônio.
Cuidou com esmero para que a Família Real ficasse distribuída de forma equilibrada nos principais navios. O barão se preocupava com a segurança da travessia.
“Estas a perceber o que aconteceria em caso de naufrágio?” perguntava Azevedo (como era chamado na intimidade por D. João).
Dona Carlota Joaquina aos gritos, como era do seu costume, exigia que a Família Imperial embarca-se integralmente no navio principal. Felizmente ignorada, em nome do bom senso, o Príncipe Regente ainda apoiado pela mãe e pelos conselheiros mais chegados, determinara que os planos arquitetados por Azevedo fossem mantidos.
Desta forma, na nau “Príncipe Real”, embarcariam: D. Maria I a matriarca, O Príncipe Regente, os infantes D. Pedro e D. Miguel e o herdeiro espanhol, infante Pedro Carlos.
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(*) 1º Barão do Rio Seco, 1º Visconde do Rio Seco, Escrivão e Tesoureiro da Casa Real, Comendador da Ordem de Cristo, Comendador Honorário da Ordem da Torre e Espada, Titular do Oficio do 1º Tabelião da Vila de Mariana, Comendador de São Sebastião d’Elvas da Ordem de Cristo e do Senhorio da Vila de Macaé e Comendador da Ordem de N.Sa. da Conceição da Vila Viçosa.
(**) Versos populares do período “Joanino”. Autor desconhecido-

O fato da Carlota querer viajar no mesmo navio que o Príncipe Regente, certamente era “truque”, como dizia D. Maria, alguma coisa estava tramando e perante a firme decisão do marido, viu mais uma vez frustrada sua iniciativa. A espanhola jogava fogo pelas ventas, mas Azevedo também ficou frustrado quando percebeu que teria que viajar na mesma embarcação em que viajaria o puto espanhol que, como ele dizia, era tão cretino e prepotente que se achava o Cortez e o Pizarro ao mesmo tempo. O insuportável menino, que passava “férias” com a prima no palácio de Queluz, graças à Napoleão que já tomava conta das terras de Fernando e de Isabel, acabou embarcando junto com D. João, quem mostrava certa preferência pelo moleque.
Sem mancómetro algum para o momento crítico pelo qual a prima estava passando, numa aparente e eterna TPM (ainda desconhecida na época) “el muchachito” não parava de falar:
– “Carlotita prima querida”, dizia:
“Estoy comiendo ansias, mal consigo esperar para mostrar mi valor en tierra de indios”.
– “Mira aqui mocoso, tu te vas a comportar como un hidalgo de cuatro costados, como enseñado por el gran Carlos IV, tu dignísimo abuelo, ni que tenga que amarrarte de los cojones a la pata de la mesa, entendiste?” dizia Carlota, beliscando e puxando o moleque pela orelha.
– “Pero Carlotita, querida prima”, protestava o pirralho, “no sabia que eras devota de Fray Bartolomé de las Casas”.
– “Nunca me imaginé que fueras defensora de los silvícolas brasileños”, ponderava.
D. João presenciava a cena e ao certo ninguém conseguiria dizer se efetivamente gostava do garoto, ou apenas apoiava seu comportamento teimoso e cretino para incentivar a briga com a Carlota que, como sempre, se mostrava voluntariosa, mal-humorada e intransigente.
– “Por nuestra señora de Aranjuéz”, vociferava a Princesa espanhola, “yo te mato muchacho zangolotino, te cuelgo de los dedos gordos de cada pié, aunque sea la ultima cosa que haga en mi desgraciada vida”, ameaçava.
D. João ria a vontade e comentava: Tua prima é tão feia que mete medo no susto, viu menino? e mesmo assim me arranjou nove filhos, completava, sem que o perplexo primo espanhol compreendesse totalmente o maldoso comentário do Príncipe Regente.
Maldoso, em termos, diríamos; sem nenhuma pretensão de interpretar historicamente o comportamento da espanhola e muito menos de minimizar as virtudes de D. Carlota Joaquina, lembramos que não foi a toa que D. João, uma vez estabelecido no Rio de Janeiro, mandou prende-la no Convento da Ajuda, numa tentativa de conter o comportamento verdadeiramente ninfomaníaco da Princesa que já tinha inclusive, o hábito de se oferecer aos criados mais jovens e fortes da Quinta do Ramalhão.
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(*) Na sua conhecida obra em 3 Vols. Publicada no Rio de Janeiro em 1939 pela Imprensa Nacional, “ A Corte de D. João VI no Rio de Janeiro”, o conhecido jornalista, poeta, cronista, memorialista, teatrólogo e orador Luiz Edmundo (de Melo Pereira da Costa), nos diz: “Não há memória, em toda a história portuguesa, de um rei que fosse, como D. João, tão ignominiosamente enganado pela esposa. Chega a causar espanto. Além disso, Carlota Joaquina, ao procurar os seus amantes, nem o senso da escolha tinha. Tudo lhe servia, tudo, desde que tivesse a forma aproximada de um homem. Até os subalternos da Quinta do Ramalhão não escaparam a sua depravação messalínica……… Na Corte de Lisboa, a mulher de D. João lembrava uma gata, eternamente no cio, a latejar luxúria.

A prima Carlotita, futura Imperatriz honorária do Brasil, acabou embarcando no “Afonso de Albuquerque” junto com as infantas Maria Isabel, Maria Assunção, Ana de Jesus e Maria Teresa.
Embora amargando uma separação de dois meses durante a travessia marítima, a infanta Maria Teresa acabaria sucumbindo aos encantos do primo conquistador, com quem manteve um relacionamento precoce e aparentemente furtivo, dentro das limitações que as fofocas palacianas o permitiam.
Parece ser que a primogênita e preferida de D. João, a infanta Maria Teresa, Princesa da Beira, já manifestava, ainda jovem, certa vocação para o incesto que acabou consolidando, primeiro com o primo Pedro Carlos, de quem ficou viúva em 1812 para se casar logo depois com o irmão da mãe, o tio Carlos, Conde de Molina.
Azevedo obviamente garantiu seu lugar, o da família e o dos amigos naquelas embarcações. Todavia, quase perde a oportunidade de viajar junto com a Corte, preocupado que estava com a Real Biblioteca, que acabaria sendo largada no cais e só embarcada para o Rio de Janeiro dois anos depois. O Barão teria ficado para trás, barrado pela multidão ensandecida. Seu embarque parecia impensável. (*)
A esta altura a população, percebendo a jogada da aristocracia e certa de que ficaria a mercê das tropas francesas, não só impedia a passagem de quem pretendia embarcar, mas na ânsia de se salvar, morria na tentativa de abordar pela força aquelas imponentes naus.
A reação era de indignação e de total revolta pela fuga.
-A-ze-ve-do, A-ze-ve-do, gritava a turba desquiciada, “sois traidor e matreiro” completava.
Cheiro de pólvora, mar revolto e vermelho pela quantidade do sangue derramado, céu da cor da consciência da Carlota, dizia o Príncipe Regente, raios, chuvas e trovoadas na madrugada invernal do delta do Tejo. Cadáveres empilhados pelo cais à procura de um destino final, feridos dessangrando-se, gritos de dor e desespero, salteadores, mendigos e aproveitadores completavam o quadro dantesco da interminável fuga, só concretizada no alvorecer do 29 de novembro.
Neste cenário de salve-se quem puder o verdadeiro herói foi o obscuro Barão de Calheta, Dom José Maria Borges de Oliveira e Souza, originário da ilha da Madeira e amigo de infância de Azevedo que, tendo percebido a enrascada em que se encontravam, conseguiu puxar o amigo para, sorrateiramente, em pequena embarcação à remo de um sacristão disposto a vender caro seu repentino tesouro, permitiu a fuga dos barões rumo ao navio, que ainda demoraria mais dois dias para zarpar, a espera de bom tempo.
Ambos, considerados posteriormente como os grandes corruptos da corte de D. João, explicariam suas fortunas para as próprias consciências, como a compensação pelas “perdas financeiras” experimentadas durante a louca fuga da terrinha.
Tendo aportado na cidade de Salvador na Bahia junto com a Família Imperial, decidiram seguir viagem diretamente até o Rio de Janeiro, prometendo a preparação, na cidade dos tamoios, de uma recepção digna e merecida à altura de tão ilustres visitantes.
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(*) Ficaram no cais 317 caixotes, com aproximadamente 60 mil peças, entre livros, incunábulos, mapas, gravuras, estampas, moedas, medalhas e documentos; recheados de obras raras e valiosas. Este acervo, acrescido da maior coleção particular de livros à época, pertencente ao Conde da Barca (parente do Azevedo), D. Antônio de Araújo e Azevedo, constituiu a base da atual Biblioteca Nacional, fundada por D. João, logo após o recebimento deste inestimável tesouro, em 29 de outubro de 1810.

Juntos, teriam ainda uma vida razoavelmente tranquila, prazerosa e libertina, como só o dinheiro é capaz de proporcionar. Cínicos, falsos moralistas e religiosos de araque, acabaram comprando as comendas e o reconhecido prestígio de que gozavam, além das indulgências necessárias para anular seus eventuais pecados. Convencidos estavam de ter aberto escancaradamente, as portas de qualquer céu ou paraíso prometido para as almas humildes caridosas e contritas.
Na volta de D. João para Lisboa em 1821, os amigos, já transformados em viscondes, sobejamente conhecidos pelas roubalheiras de que participaram, foram impedidos de aportar, partindo, na mesma embarcação de volta para o Brasil.
Foi o desprezo de um povo, a ignomínia, o opróbio e a desonra completas, Azevedo ainda perturbou-se, dada sua relação de amizade com D. João; Borges, ria por dentro e esboçava um sorriso cínico por fora. Dissimulado, ainda comentaria com o parceiro:
– Para quem foi obrigado a raspar a cabeça por causa dos piolhos, isto aqui não passa de ridícula zombaria, meu prezado Azevedo.
Mal sabia o indignado povo português que apenas aplainava o caminho para que os ilustres meliantes pudessem desfrutar à vontade das suas fortunas, amealhadas pelas influências e as benesses cartoriais de que desfrutavam naquela Corte, ainda impactada pelas condições encontradas além mar. Mal sabia o indignado povo português que instituía naquele momento, a exportação da corrupção oficial reinante. A tradição portuguesa do “burguês-fidalgo”, as benesses, as Capitanias Hereditárias e o próprio sistema cartorial, faziam sua estreia no novo continente e seus desdobramentos, duzentos anos depois, continuam levando à loucura seus descendentes, pela total impossibilidade de pagar, através dos seus impostos – na maior carga tributária per capita mundial – as roubalheiras cometidas por gregos, troianos e brasileiros como forma de retribuição pelas “perdas financeiras” sofridas na louca fuga de si próprios.
O Barão de Calheta, Dom José Maria Borges de Oliveira e Souza, tendo sido elevado à condição de Visconde pela sua transcendental participação na fuga da Família Imperial e especialmente no resgate do Azevedo das mãos da turba ensandecida naquela fria e memorável noite no delta do Tejo, galgaria ainda mais um degrau nobiliárquico, conquistando o título de Conde de Calheta.
O título concedido por Dom João VI, à pedido do amigo Azevedo, foi outorgado a pretexto da participação ativa do seu Zé Maria na criação das estufas de aclimatação de especiarias do Jardim Botânico, menina dos olhos do então Príncipe Regente.
D. Rodrigo de Souza Coutinho, Conde de Linhares e primo distante de Zé Maria, então ministro da Corte e autor da ideia de cultivar cravo, pimenta e canela, eliminando a dependência comercial da Índia, apoiou sem restrições a iniciativa.
Nesta época de vacas gordas e aparente felicidade eterna, o Conde ganha um presente do sempre grato amigo Azevedo, que se tornaria marcante ao longo da vida dos Borges de Oliveira e Souza: uma escrava jovem e garbosa, de personalidade marcante e pele de sapoti, (preta, lisa e por demais brilhante), portadora de regaço e culote generosos e principalmente, líder religiosa da sua comunidade. Era orgulhosa e altiva; autoritária e dominadora; de têmpera aristocrática, entranhas de mel e sorriso cativante. Valorizando seu preço, o certificado de compra explicitava sua nobre linhagem: era originária do alto Rio Niger, detalhando o fato de ter sido sequestrada do seio de uma familia de príncipes Yorubás. No mesmo embrulho, veio sua filha, pequenina rapariga muito sorridente de olhos extremamente vivaces e dentes alvos, com presumíveis 4 ou 5 aninhos, atendendo pelo nome de Sikè e que por estranhos designios faria parte integrante da familia Borges pelos próximos cem anos.
Era um encanto, uma graça, sorria como verdadeiro anjo, irradiava simpatia, era alegre e sem nenhuma consciência do significado da escravidão. Manifestava abertamente seus desejos e ousada, conseguia dos adultos tudo o que queria.
Até seu pranto e suas pirraças são encantadores dizia o Conde na intimidade, deslumbrado com a inteligência e a personalidade da menina já manifesta em tão tenra idade. Circulava à vontade pela casa grande com a complacência e o agrado da família.
Ninguém conseguiria imaginar a importância e a transcendência desta linda criança negra na vida da sua comunidade e principalmente na vida dos Borges de Oliveira e Souza.
O Conde decidiu que seria sua “princesinha de chocolate”, com a aquiescência da Sra. Condessa D. Beatriz que, fazendo questão de mantê-la dentro de casa, inclusive alimentava-a com pequenos bolinhos de comida oferecidos com a mão, sob a enorme mesa da sala de jantar.
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(CONTINUA EM VERDADES MENTIROSAS III)

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VERDADES MENTIROSAS

Pinocho Masiosare Estou comemorando (muito intimamente e que ninguém nos ouça) um ano de ter lançado este meu HBLOG. Estava explodindo de vontade de escrever (na verdade já vinha escrevendo ha muitos anos, no que eu chamei da minha vocação tardia, mas nunca tive coragem suficiente para expor publicamente minhas ideias, meus sentimentos, minhas angustias e alegrias) e inclusive, também em setembro de 2012, tive a ousadia de publicar o meu segundo livro “A Versão dos Vencidos: Uma Ótica sobre a História do México” (o primeiro, escrito ainda no ginásio, em 1958, do alto dos meus 14 anos, me deu a almejada nota dez nas cadeiras de Literatura e de História Universal).
Tenho apreendido muito neste último ano, fiz 80 inserções no HBLOG entre prosa e poesia (contos, crônicas, comentários, versos, noticias, minhas revoltas e meus sonhos) e prometo firmemente, para minha meia dúzia de leitores, continuar a me aprimorar na difícil arte das letras.
Para esta ocasião, (24 de agosto, aniversário de Jorge Luiz Borges e do nosso irmão Eduardo Frutuoso), escolhi um texto intitulado “Verdades Mentirosas”, escrito em outubro de 2008 e cuja realização me proporcionou enorme satisfação. Nunca soube classifica-lo, imaginei que poderia ser um mini romance (40 págs. datilografadas de realidade histórica e ficção), quem sabe um ensaio (sobre escravidão, negritude, genealogia e candomblé) ou então, numa defesa intransigente das minorias (homossexualidade, raça e religião) e contra o preconceito, um documento jornalístico de protesto e revolta incontida. O certo é que cobrou vida e para minha surpresa, as personagens adquiriram personalidade própria, a ponto de mudar o próprio enredo (na verdade histórica e na ficção, por vezes hilária) o que me fez acreditar (na minha tradicional postura de otimista inveterado) que poderia cair no gosto dos meus leitores.
A ideia de escrever este texto surgiu de uma aparente coincidência entre a leitura de alguns dos brilhantes discursos do Padre Antônio Vieira (1608-1697), religioso, filósofo, e escritor português da Companhia de Jesus, missionário em terras brasileiras e considerado o melhor orador do século XVII e a compra, num leilão de livros (sem nenhuma relação aparente com as minhas leituras) de um exemplar original do Censo Populacional do Rio de Janeiro, realizado em 1905, durante o mandato do Prefeito Pereira Passos.
A leitura dos discursos, especialmente um, o Sermão “Décimo Quarto” pronunciado pelo famoso prelado no Engenho de Açúcar da Irmandade dos Pretos de Nossa Senhora do Rosário, no dia de São João Evangelista, também dia do Rosário, no Recôncavo Baiano em 1633 (feita sobre analise da Dra. Eva Paulino Bueno, publicada pela Revista Espaço Acadêmico Ano III, No 36, de maio de 2004) me deixou perplexo ao deparar com o sem número de besteiras (á época consideradas como grandes verdades) que mexeram comigo pela intransigência da sua discriminação, especificamente dirigida contra os escravos africanos presentes na ocasião.
Lembrei-me de imediato da luta da maior poetisa mexicana Soror Juana Inês dela Cruz (1651-1695) que, indignada com a interpretação que o Padre Antônio Vieira fazia do Evangelho de Jesus, chegou a apreender a língua portuguesa para retrucar o que achava indigno da sua religiosidade como um todo e especificamente inaceitável na sua compreensão do que seria o verdadeiro espírito cristão. A “briga filosófica”, depois de muita troca epistolar, acabou quando o confessor da freira mexicana a proibiu de escrever a respeito, pelo simples fato de ser mulher (e consequentemente, carente de humildade, de resignação, de respeito, pretensiosa, vaidosa e orgulhosa).
Paralelamente, ao folhar a minha nova aquisição, o livro do registro censitário de 1905, (já em estado calamitoso, porém ainda inteiro), deparei com uma “página-homenagem” em que se lia: “Cariocas Centenários”, o que significa, nos dias de hoje: “Cariocas Bicentenários” e na qual encontrei entre outros (para minha surpresa, muitos cariocas longevos) o registro de uma “escrava africana” de nome Lucrécia Borges.
Minha indignação cresceu mais do que eu esperava, não eram apenas os sermões do Padre Antônio Vieira, mas a sociedade como um todo. Alguém (se achando muito engraçado) com o meu sobrenome, sabendo que a escrava de sua propriedade jamais iria descobrir o trocadilho, decidiu batiza-la com o nome de Lucrécia, provavelmente em memória da filha ilegítima do Papa Alexandre VI, uma das mulheres mais malfadada da história e até hoje considerada a rainha das libertinas (1480-1519).
Nesta amálgama de descriminação, intolerância, ignorância e abominável preconceito, tanto do Padre Antônio Vieira, representando os lideres religiosos daquele tempo, como através dos Barões do Café, representantes, no século XIX, dos ricos e poderosos, decidi escrever as “Verdades Mentirosas”, também como forma de dizer à sociedade contemporânea: chega, basta de preconceitos, de abusos, de roubos e dissimulo, chega de escravidão, de exploração dos semelhantes em nome do lucro e da expertise, chega de ilusão, chega de entronizar os valores materiais em detrimento da superação espiritual individual e coletiva.
Visando facilitar a sua leitura, colocarei no HBLOG, um capítulo por semana, inclusive na espera de uma interação desejável com a meia dúzia de leitores que me acompanham. Apenas para ilustrar alguns dos motivos que geraram este texto, transcrevo a seguir, algumas citações contidas no Sermão “Décimo Quarto” escrito e pronunciado pelo Padre Antônio Vieira, como dito, em 1633 no Engenho de Açúcar da Irmandade dos Pretos de Nossa Senhora do Rosário, com a presença (consentida pelos senhores de engenho) dos escravos da sua propriedade.

Assim, o padre Antônio Vieira, do alto da sua autoridade eclesiástica, na segurança que suas dotes oratórias lhe permitiam e ancorado no poder econômico dos seus anfitriões, propagava, em nome de Deus, do Jesus o Cristo e da Virgem Maria, (considerada pelos católicos como a mãe de Deus) as seguintes “Verdades”, quem sabe, como diria a Sóror Juana Inês de la Cruz, “Mentirosas”:

“É melhor ser escravo no Brasil e salvar sua alma que viver livre na África e perdê-la”.

“Saibam, pois os pretos e não duvidem que a mesma Mãe de Deus é Mãe sua: Sciant ergo ipsam matrem: e saibam que com ser uma Senhora tão soberana, é Mãe tão amorosa, que assim pequenos como são, os ama, e tem por filhos.”

“Os negros aqui presentes, devem lembrar-se sempre que a própria mãe de Jesus Christo os escolhou especialmente por filhos, e que, o que “pode parecer desterro, captiveiro, e desgraça… não é senão milagre, e grande milagre”.

“Os pretos escravos devem dar infinitas graças a Deus por vos ter dado conhecimento de si, e por vos ter tirado de vossas terras, onde vossos pais e vós vivêis como gentios; e vos ter trazido a esta, onde instruídos na fé, vivaes como christãos, e vos salveis.”

 “Infelizes são aqueles que permanecem na África, adorando seus falsos deuses, longe do cristianismo, sem a possibilidade da salvação”.   

“Não ha trabalho, nem gênero de vida no mundo mais parecido à Cruz e Paixão de Christo, que o vosso em um d’estes engenhos”.

“Bem-aventurados vós se soubéreis conhecer a fortuna do vosso estado, e com a conformidade e imitação de tão alta e divina semelhança  aproveitar e santificar o trabalho!”.

“Nessa triste servidão de miserável escravo tereis o que eu desejava sendo rei.” “Mais inveja devem ter vossos senhores às vossas penas, do que vós aos seus gostos, a que servis com tanto trabalho”.

HB

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A LÁGRIMA

A Lágrima Fugindo, como sempre, da violência do dia a dia, dos abusos dos nossos representantes políticos, da agressividade dos estressados, da cegueira das maiorias (ainda verdadeira massa de manobra) da impotência das minorias, da insensibilidade de muitos, dos intolerantes, da inconsciência cívica e social geradas pelas deficiências da educação, da lei do mais forte, dos engarrafamentos, da perda constante e crescente de vidas inocentes, seja pela ação da polícia e dos traficantes, mas principalmente pela falta de um sistema de saúde que teoricamente seria um direito de todos e responsabilidade do Estado, acabo, também como sempre, me refugiando na linguagem dos poetas, no canto dos namorados, no lamento dos aflitos, no grito dos desesperados, na conversa íntima com a lua, com a mulher amada, ou com o próprio coração: A POESIA.

A LÁGRIMA
Tua lágrima furtiva me abala.
Não é choro nem pranto,
é apenas teu canto.
Tua lágrima furtiva me mata.

É mágoa, tristeza e desilusão,
é o silencio, a espera e a entrega.
Molhada e salgada, aflora calada,
do fundo da alma, sem permissão.

É apenas uma, comovente e transparente,
sem idade, sem nexo nem religião,
surge incontida feita paixão.
Expressa raiva e resignação.

Não escorre nem pinga,
congela na minha mente, feita oração.
Fala gritando, não emite som,
me acolhe calada, de coração.

Surge por vezes com alegria,
rindo se esbalda, não molha, nem cai.
Me toca sem jeito, me fala no peito,
penso que é sonho, não durmo mais.
HB

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O CAMPEÃO: UMA CRÔNICA FAMILIAR

O CAMPEÃO Fernando é uma “figuraça”, a própria personagem que se não tivesse nascido teria que ser inventada. Palmeirense desde criancinha, filho e neto de italianos (se fosse maneta, ficaria mudo), fã de “truco” e de tudo que possa cheirar à cultura da península da bota. Irmão casula da minha ex-sogra é um espírito jovem já com seus oitenta e lá vai fumaça, o que, forçando um pouco a barra, significa que tem idade para ser meu pai. Mas não foi desta vez, até poderia ter sido, minha admiração e carinho por ele são equivalentes aos que sempre tive pelo meu pai biológico. Formalmente é apenas um tio muito querido, um tio que encontrei com mais de cinquenta anos, mas que certamente, conheci séculos atrás.
Afinidade é quase apelido, o que nós liga supera qualquer relacionamento tradicional, é uma afetividade intensa, é amor na sua mais profunda expressão.
Vemo-nos pouco (muito menos do que eu gostaria), mas ele sabe que mora no meu coração e que se desta feita não foi possível conviver mais de perto, nos esperam algumas encarnações em que seremos obrigados a trocar os papeis. Será meu sobrinho, quem sabe meu pai, minha mãe ou minha filha, mas em qualquer condição, curtiremos a vida juntos, como certamente já aconteceu quando plantávamos algumas mudas de Pau Brasil enquanto esperávamos a chegada dos portugueses (em longinquas terras que deslumbrariam posteriormente os intrépidos bandeirantes).
Ele, o tio, representava o mundo ocidental conhecido até então, como ancestral genovês do próprio Colombo (mais italiano que o “pomodori pelatti” ou “tiramissú”, porém originário da América do Sul) já detentor de toda a filosofia oriental levada até o velho mundo pelo simpático aventureiro e comerciante veneziano, Marco Polo.
Eu, o sobrinho, bem mais modesto, apenas representava às culturas locais que, mesmo limitadas pelo desconhecimento da pólvora e do metal, conheciam em profundidade a astrologia e consequentemente a desgraça que estava porvir com os filhos do sol, brancos e barbados, que não queriam encrencas, mas apenas todo o ouro que pudessem conseguir, de preferência no colo das que pela sua absoluta e notória ignorância (dos conquistadores, é claro) chamavam de índias.
Este amor recíproco e verdadeiro floresceu também com o enteado do meu tio, o popular Marcelo, “O Campeão”, a quem ama como se fosse o pai biológico e daria a própria vida para que ele tivesse certeza disso. Ao parecer, o campeão não sabe que Ele pensa assim, porém, ainda inseguro pela inexperiência da juventude, chora feito criança perante qualquer fato que possa ameaçar esta maravilhosa relação. Se eventualmente, o campeão chegar a ler esta pequena crônica dos fatos acontecidos em 2007 na cidade de Campo Grande, aconchegante capital do Mato Grosso do Sul, durante a comemoração dos 83 anos do nosso italianíssimo pai, certamente não precisará nunca mais chorar por esse motivo. Tanto eu, como o campeão, aproveitamos para curtir um fim de semana na maravilhosa companhia do homenageado, especialmente sendo seu aniversário. A noite de sexta já foi extremamente agradável; muitos sorrisos, lembranças, noticias e abraços; digna de menção porque a macarronada com molho de camarão que o tio tinha preparado com amor para nos recepcionar, por razões inexplicáveis, tinha azedado.
Importante sublinhar que o campeão, à diferença de quem escreve, é alto, jovem, bonito, forte, sadio, estudioso, trabalhador, canta, toca violão, compõe, dança, pega touro à unha, cozinha e faz churrascos e sobremesas; é um pai presente, um marido amoroso e “otras cositas mais” que o tornaram ao longo do tempo, um gigante aos olhos de Fernando, o pai.
O sábado foi mais um dia de alegria em família, ambos curtíamos a presença do meu querido tio minuto a minuto, cientes de que o fim de semana acabaria a qualquer momento e teríamos que voltar para nossas respectivas cidades, certamente já com saudades eternas da grande figura patriarcal.
Lá pela hora da fome e ainda sem planos definidos para o almoço, bebericávamos uma cervejinha gelada quando o pai de todos, o grande Fernando, sentiu falta do tradicional tira-gosto, de algum salgadinho (quem sabe um salaminho fatiado ou uma linguiça calçabreza) que pudesse enrolar o estômago, a esta altura ronronando e já colado na medula. Com o dinamismo que o caracteriza e a confiança de quem tem apreendido na prática seus dotes culinários, Marcelo levanta feito mola de colchão antigo quando quebra e dirigindo-se ao pai, lhe disse: tenho uma ideia:
– Fique quieto, sentadinho na sua poltrona que eu vou preparar a sua salada preferida, caprichada, bem temperada como sei que o senhor gosta, acompanhada de fatias de pão italiano com azeite extra virgem mediterrâneo.
– Me dá apenas dez minutos que já estou de volta.
E sem esperar resposta e muito menos aquiescência de quem quer que fosse, Marcelo desapareceu de imediato na direção da cozinha.
Nesse momento inesquecível, meu tio Fernando, (babando de orgulho e satisfação, com a cara mais radiante que já tive oportunidade de observar ao longo da minha vida, própria de quem é pai querendo gritar para o mundo inteiro ouvir: ESSE É MEU FILHO) se aproxima de mim e baixando a voz, para certificar-se de que o Marcelo não pudesse escutar, disse-me convicto:
– “Barbaridade, dois milhões de espermatozoides e esse aí chegou primeiro, antes de todos, MEU FILHO É UM CAMPEÃO, você sabe, né?, ele chegou antes, sempre foi o primeiro, certamente, MEU FILHO É UM CAMPEÃO”, repetia, talvez tentando me convencer da veracidade da sua teoria.
Claro que me convenceu (além de me comover).
Decidi contar este fato, porque além de acha-lo simplesmente maravilhoso, pela declaração implícita de amor paternal incomensurável, me permite homenagear o pai do campeão (o meu querido tio).
Quero lhe dizer, meu amado tio, que tenho o maior orgulho de ser seu sobrinho e que eu não sou alto, nem jovem nem bonito, nem forte nem sadio, não canto nem toco violão, não componho, nunca peguei touro a unha e muito menos faço saladas, churrascos ou sobremesas, mas que, mesmo com todas as minhas limitações, o amo de verdade com todas as forças do meu coração.
E ainda por cima que, morrendo de ciúmes do amor que professa ao seu filho Marcelo, nunca fui campeão, mas que na minha vez, há quase setenta anos, eu também cheguei primeiro.
HB

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O DIABO LOURO

AM Cangaceiro III HB Sempre pensei que as homenagens (em qualquer hipótese) deveriam ser feitas para as cabeças coroadas, (pelos seus méritos) desde que, indefectivelmente já falecidas. Posteriormente, quando descobri que todos aqueles que teriam passado para “melhor” eram imediatamente “santificados” (às vezes até por merecimento, mas na maioria das vezes pela consciência pesada ou pela própria vaidade dos promotores da homenagem) mudei a minha maneira de pensar e atualmente, me rendo a vivos e mortos (o que para mim não faz a menor diferença por ter deixado, há muito, de acreditar na morte) desde que merecedores efetivamente da minha (muito pessoal e modesta) homenagem.
Tiro o chapéu para muitas figuras ilustres (e até pouco conhecidas) nesta ou em qualquer outra vida, por remorso (por não tê-lo feito antes), por discriminação (às vezes consciente) ou mesmo por terem conquistado a minha admiração pura e simplesmente.
Assim, desta feita, a minha homenagem (a do mês de agosto), vai para o eterno cangaceiro; para o homem que encarou como ator, as contradições, a maldade e (hoje estou convencido) a pureza interna dos revoltosos do cangaço. O eterno Corisco, o Diabo Louro, incapaz de manifestar suas emoções, escondidas sob aquela armadura de couro que vestia para se proteger dos espinhos da vida, mas com um amor no coração proporcional ao seu tamanho; o que, diga-se de passagem, seria a única característica coincidente entre ator e personagem.
Como já foi possível deduzir, trata-se do nosso irmão de fé (e camarada) OTHON JOSÉ DE ALMEIDA BASTOS, o conhecido e laureado ator baiano (de Tucano-BA) Othon Bastos.
O Othon homem e ator, o Othon profissional, leve e profundo, o Othon possuidor de um fino sentido do humor e de uma seriedade a toda prova. Em fim, o Othon capaz de captar a admiração de próprios e estranhos pela sua trajetória de vida, pelo seu empenho e determinação e pelo coração gigantesco que o mantem na reta rota do amor, inclusive, acompanhado, há mais de 50 anos pela sua amada “Dadá”, a também atriz, Martha Overbeck.
Toda esta alegoria relativa ao Othon-Corisco, à Dadá-Martha, aos sentimentos e as aventuras do cangaço e mesmo ao amor e a bondade interior entre ator e personagem, deve-se a um dos maiores sucessos cinematográficos de Othon Bastos, hoje um verdadeiro clássico do cinema brasileiro intitulado “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, dirigido por Glauber Rocha em 1964.
Para quem não se lembra, Othon iniciou a sua carreira de ator em 1951 e até o momento, do alto dos seus 80 anos, (num curriculum invejável) já protagonizou mais de 70 filmes, atuou em mais de 20 peças teatrais e integrou o elenco de mais de 80 programas de televisão, de diferentes estações, entre novelas, séries, minisséries, casos especiais e outros tipos de participação, como narrador, palestrante e debatedor.
O Brasil é um país de grandes atores e ao parecer sempre foi, atores estes que permaneceram para sempre na mente de quem teve o privilégio de presenciar suas aparições no teatro, no cinema ou na televisão, desde os inesquecíveis João Caetano, Procópio Ferreira, Raul Cortez, Walmor Chagas, Fernando Torres, Paulo Autran, Ítalo Rossi, Sergio Britto, Gianfrancesco Guarnieri, Paulo Gracindo e tantos outros que permanecem vivos e para os quais estendemos esta homenagem, até aqueles também vivos, como Lima Duarte, Antônio Fagundes, Tony Ramos, Marco Nanini, Selton Melo, Wagner Moura, Lázaro Ramos e uma plêiade de astros de várias gerações integradas no esforço de alavancar a qualidade das artes e da cultura brasileiras.
Mas voltando ao nosso homenageado, escolhido imediatamente após a comemoração dos seus 80 anos, pela cúpula do Festival de Gramado para receber o “KIKITO de Cristal” que, pela primeira vez, em todas suas edições, é concedido a um ator pelo conjunto da sua obra, não poderíamos deixar de mencionar a verdadeira coleção de prêmios e honrarias por ele recebidas, apenas fazendo jus ao seu profissionalismo e a reconhecida qualidade da sua arte.
Entre outros, Othon Bastos tem sido justo merecedor dos seguintes prêmios:

• Prêmio de melhor ator, no “Festival de Cinema do Ceará”, por sua atuação no filme de curta metragem “O Número”, em 2004;
• Indicação ao Prêmio Nacional Jorge Amado, Literatura e Arte, edição de 2003;
• Prêmio Qualidade Brasil SP, na categoria de melhor ator coadjuvante por sua atuação na novela Esperança de Benedito Ruy Barbosa em 2002;
• Indicação ao Grande Prêmio Cinema Brasil, na categoria de melhor ator, por Mauá – O imperador e o rei (1999);
• Prêmio na categoria de melhor ator coadjuvante, no Grande Prêmio Cinema Brasil, por Bicho de sete cabeças (1999);
• Prêmio Air France na categoria de melhor ator por sua atuação no filme São Bernardo; 1973;
• Kikito de Ouro na categoria de melhor ator, no Festival de Gramado, por São Bernardo (1971);
• Troféu Candango na categoria de melhor ator, no Festival de Brasília, por Os deuses e os mortos (1970), e
• Prêmio de melhor ator pelo Molière e Associação Brasileira de Críticos Teatrais, ABCT, por sua atuação no espetáculo “Um Grito Parado no Ar”, encenação de Fernando Peixoto de 1973.
Todavia, a sua atuação em Deus e o Diabo na Terra do Sol (Glauber Rocha), Os Deuses e os Mortos (Ruy Guerra) e O Pagador de Promessas (Anselmo Duarte) influenciaram certamente a decisão para realização desta minha modesta (porém sincera) homenagem, mas o que de fato determinou esta homenagem ao “grande diretor de filmes mudos”, foram as leituras fascinantes e enriquecedoras a que nos tem acostumado, as segundas feiras, na Casa do Padre Pio.
HB

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