O MUNDO DOS OULIPIANOS

AM Gato Gravura 50x35cm. (s. moldura) Recentemente tomei conhecimento do que era o OULIPO (todo dia se apreende alguma coisa, não é verdade?) e inicialmente como todo ignorante que se preza, ou no mínimo, que não tem uma noção clara do tamanho da sua ignorância, achei que ninguém mais no mundo teria ouvido mencionar  esta esdrúxula expressão, certamente um neologismo como tantos que se criam todos os dias a torto e a direito. Estava errado.
A partir de alguns textos publicados na “Revista Continuum” / São Paulo, 2008 e Itaú Cultural, além da atinada bússola (régua e compasso) do “poetiso” Caio Meira, descobrimos que, quando em 1960, Raymond Queneau e o matemático François Le Lionnais, criaram o “Ouvroir de Litttérature Pontentielle” (OULIPO), provavelmente nem sequer suspeitavam do amplo sucesso e da longevidade que viria atingir o seu empreendimento. Sob a influencia de Raymond Roussel, Bourbaki e da Patafísica, a Oficina de Literatura Potencial pretendia realizar experimentações de estilo a partir de antigas práticas retóricas, mas também inventar novas “restrições”, as hoje conhecidas e até famosas “contraintes” (constrangimentos? limitações?), que pudessem guiar o esforço de criação.
Em encontros marcados sobre tudo pelo humor, explorar as potencialidades da linguagem, injetando noções matemáticas na invenção romanesca ou poética, era o que queriam esses “oulipianos” que se diziam “ratos que constroem eles próprios os labirintos de que se propõem sair”. O sucesso da publicação dos seus textos durante uma década, levou-os à organização dos primeiros estágios. Rapidamente, eles atraíram um público tão numeroso que se viram obrigados a escolher entre continuar com suas pesquisas e produções ou organizar oficinas.
A partir de 25 de novembro de 1960, data em que o grupo foi fundado em Paris, seus membros reuniram-se mensalmente durante anos, para discutir o conjunto dos seus experimentos e invenções.
Embora no Brasil não seja ainda tão conhecido, o “Oulipismo” não deixou de se expandir entre autores (vivos ou já falecidos), em oficinas de escrita em vários países, e que até hoje entusiasma escritores, professores, estudantes, leitores e aprendizes (como eu).
Abusando da minha declarada ignorância e lembrando do movimento “maneirista”, que acabou invadindo o mundo das artes a partir do renascimento (à maneira de…), quero acreditar que o “oulipianismo” (mesmo inconscientemente) se manifesta, cada dia de forma mais intensa em todas as expressões artísticas.
O desenho que ilustra esta inserção, por exemplo,  um inocente gatinho em nanquim sobre papel (preto no branco) de autoria do Aldemir Martins, conhecido artista plástico cearense, me parece o supra-sumo do “oulipismo”, na medida em que o autor criou tantos e tão específicos “constrangimentos” ou “limitações” à criação da sua obra que, provavelmente sem saber, poderia liderar o movimento “oulipiano” nas artes plásticas. O rosto do gatinho é bem maior do que a tela escolhida para pinta-lo, as linhas retas parecem uma imposição descabida para representar um corpo normalmente roliço deste representante do reino animal, a utilização do preto sobre fundo branco, parece também uma limitação quando se tem todo o arco íris disponível, a evidente desconstrução do desenho para apenas induzir a mente do espectador a pressupor a presença de um grande felino incontido no seu horizonte visual, parece o maior de todos os constrangimentos criados pela livre e espontânea vontade do autor e assim por diante.
Este movimento é tão desafiador e envolvente que, com base na própria ignorância declarada (ausência de medo por total inconsciência da responsabilidade necessária para participar deste tipo de expressão artística) arrisco a seguir, duas poesias da minha autoria que encerraram o profícuo trabalho de 2013, abrindo-me as portas de um 2014 sorridente, promissor e cheio de luz.
A primeira foi intitulada “POESIA SEM FIM” (para ser lida na penumbra, por ser eterna, sem parágrafos, num só fôlego, apenas pontuado pelo ritmo da descoberta) e a segunda, sem título, por ter sido estruturada a partir de vinte e uma palavras aleatórias (constrangimentos) sobre as quais teria que ser criada uma composição poética coerente, com tema e objetivo definidos, com o uso obrigatório de todas as palavras escolhidas a esmo, sem faltar ou suprimir qualquer uma delas.
Espero que gostem.

POESIA SEM FIM (para ser lida na penumbra, por ser eterna):
as curvas do teu corpo totalmente relaxado, ofereciam uma paisagem singular, sem defeito, sem inicio e aparentemente sem fim, produzindo um verdadeiro êxtase que me impedia acreditar o que os meus olhos teimavam em mostrar e desencorajando qualquer iniciativa que me levasse a tocar aquela criação divina, decidi, superando reticências e inibições, me aproximar lentamente até sentir o teu cheiro penetrante na vã tentativa de decifra-la: a linha da panturrilha parecia se prolongar infinita além da coxa e deveria continuar a se elevar delineando o perfil das tuas nádegas voluptuosas, me deixando entrever de forma absolutamente discreta, o inicio das tuas costas, atiçando a lembrança dos teus seios, assaz protuberantes que, mesmo ocultos nas sombras geradas pelo próprio corpo, completavam a beleza escultural que Deus te deu, curiosamente emoldurada por um facho de luz interna, de cor azul profundo, aparentemente sem origem, misturando, num só clarão desconcertante, o divino e o profano, ao lembrar com prazer e satisfação, a luz apenas produzida pelo espírito, a única que me permite ver a realidade, a que me permite sentir as emoções provocadas pela perfeição desse teu perfil que ( já sem forças e incapaz de me opor à realidade) acabei recortando com os lábios, para descobrir assim, finalmente, as dádivas com que o Criador contempla de quando em vez as suas criaturas: “a revelação de um prazer que nada tinha de profano, se oferecendo, absolutamente divino aos olhos deste eterno apaixonado que, naquele momento, além de ver em profundidade, sentiam também tua pele e até o odor característico, mistura de flor de laranjeira da china e sexo e que ficaria gravado em minha mente…para sempre”, mesmo privado da visão há muito tempo, apenas olhando e sentindo através dos olhos do espírito, criadores da própria luz, fui capaz, depois desta experiência maravilhosa, de te eternizar nesta e em outras vidas, cristalizando em minha mente esta visão sem fim (por ser eterna) através da infinita misericórdia de um Pai dadivoso que permitiu o desenvolvimento dos meus outros sentidos, certamente imortais e generosos (por integrarem o esplendor da minha consciência), apenas para presenciar ao vivo e a cores, a magnificente beleza da sua criação infinita.
HB
Natal de 2013

VINTE E UMA PALAVRAS ALEATÓRIAS:
( ) Intimo
( ) Rastejando
( ) Primordial
( ) Proprietário
( ) Ritual
( ) Celebrar
( ) Porção
( ) Menor
( ) Patrocinar
( ) Prefixado
( ) Seita
( ) Lançar
( ) Cinco
( ) Orientar-se
( ) Gritar
( ) Casaco
( ) Plural
( ) Saindo
( ) Continuidade
( ) Sala de Estar
( ) Crente

Nada mais íntimo do que a prece, quando flagrada saindo (calada) do coração ferido,por nos permitir celebrar o ritual interior, primordial à continuidade da elevação espiritual.
Crente de que qualquer seita, mesmo quando menor, por vezes massacrada,
pode (e deve) gritar a vontade (e em silêncio), ao ar livre (em total contemplação), ou mesmo na sala de estar (com indignação),
para descobrir as cinco grandes verdades para orientar-se e patrocinar a verdadeira e desejada transformação interior.
Lançar com mão firme , feito flecha ferina, por vezes envenenada, a porção humana que rastejando desabrocha em humildade incontida, para descobrir que,
ninguém é proprietário de quem quer que seja, nem tem carma prefixado.
Necessário é tirar o casaco da vaidade para projetar, numa ótica plural e universal, a própria vida.
HB
31/12/2013

Deixe um comentário

Arquivado em Poesia (Los Versos del Alma)

Deixe um comentário