FRANÇOISE, MINHA AMIGA, A FRANCESINHA

Paris LibertéJá devia ter contado esta história há muito tempo, mas pelas razões que todos conhecemos, entra dia, sai dia, entra mês, sai ano e encontramos sempre um pretexto para adiar o que às vezes (como neste caso) se torna quase um dever moral.
Nada especial, apenas não sei por que relutei tanto tempo (juro que de forma inconsciente) para apresentar Françoise, minha amiga, a francesinha, para todos vocês.
Tal vez porque para mim as coisas são sempre complicadas, consigo sem esforço complicar aquilo que é simples; por exemplo, Françoise, minha amiga, a francesinha, nem sequer é francesa e até somos amigos e confidentes “ma non troppo”.
Da minha parte posso garantir para Françoise uma amizade quase de infância, mas receio que a recíproca não seja verdadeira. Nem sequer sei se ela tem amigos, é complicada e até egoísta, mas é pura de coração. Seu egoísmo quer me parecer o exercício certo do auto-amor, ela é feliz porque sabe ser feliz, ela ama as pessoas (na medida certa) porque sabe se perdoar e principalmente porque se ama.
É gentil, culta e sensível. Não chega a ser bonita e ela o reconhece, é vaidosa sim, mas a questão da beleza não chega a fazer a sua cabeça. É charmosa e adoro sua forma de ser e de vestir (simples, porém franca, decidida e despojada, porém sempre impecável e arrumada para cada ocasião), um pouco fria para meu gosto, odeia beijinhos e salamaleques que considera sempre dispensáveis.
Todavia, não era nada disso que eu queria dizer, apenas pretendia apresenta-la a vocês porque adoro sua poesia, seus contos e suas crônicas, sempre atuais, espirituosas e com um toque de humor insuperável. Urbanas e rurais, atuais e saudosistas, tradicionais e surpreendentes, tudo aquilo que eu próprio gostaria de ter escrito. Quem sabe vocês também acabam gostando.
Na verdade, Françoise a francesinha é brasileira, (espírito velho e de caráter cosmopolita) nascida no interior das Minas Gerais e para não deixar dúvidas sobre sua origem, viu a luz primeira no próprio Vale do Jequitinhonha. De pai francês (antropólogo) e mãe brasileira (professora), morou quando criança no médio Jequitinhonha, região do rio Araçuaí. Quase como consequência, não gosta de praia nem de chope, mas bebe vinho (sempre branco e absolutamente seco) e morre (literalmente) por um pão de queijo, por um lombinho de porco acompanhado de tutu com torresmo e para arrematar, um bom naco de Romeu e Julieta (e como ela mesma diz muito mais Julieta do que Romeu).
Sempre nos demos muito bem, é amiga e confidente, quase conseguimos falar de igual para igual, sem constrangimentos nem tabus, apenas nos vemos muito menos do que eu gostaria, mas a minha alegria quando nos encontramos se sublima a ponto da minha mulher ficar com ciúmes.
Conhecemo-nos há mais de 40 anos, logo depois de ter chegado à Cidade Maravilhosa, ela vinda da França e eu do México e logo de inicio sentimos que algum elo existia entre nós sem, no entanto, identifica-lo. Hoje sei, sem lugar a dúvidas, que este elo é cultural, é de irmandade e até de pensamento.
Surpreendo-me com as suas opiniões sobre meu trabalho, sempre elogiosas e descubro a cada poesia, ou na sua prosa diversificada que, se eu as tivesse escrito, provavelmente nada mudaria, incluindo os temas escolhidos. Nos mostra sempre sua indignação legítima e a revolta revolucionária entranhada no âmago dos seus escritos, com os quais, obviamente, me identifico.
Por admira-la de forma incondicional (a ponto de considera-la minha amiga), torna-se difícil descreve-la, inclusive porque, a bem da verdade, pouco a conheço (como também, de fato, pouco conhecemos a nós mesmos).
Sei apenas das suas intenções, da sua forma de ver o mundo (da qual compartilho), da sua nobreza de coração e da retidão quase obsessiva, no caminho da (sua) verdade.
Nesta primeira vez entre nós, mostramos sua poesia intitulada “CONFISSÃO” que para a nossa surpresa foi redigida no espelho, aproveitando o reflexo dela mesma, positivo e negativo de uma mesma tomada.
Em fim, de repente, seu retrato fiel, preto no branco, como um entardecer parisiense, em tons de cinza, obscuros e aparentemente tristes…………na Cidade Luz.

CONFISSÃO
(o positivo)
Sou o que penso,
faço o que quero.
Não sou hipertensa,
tenho bom senso.

Sou daqui e
sou de lá.
Gosto de mim,
vivo sem ti.

Não gosto da troca,
minha doença, meu viço,
É a gloria da vida,
meu sorriso, meu vicio.

Teus cabelos ao vento me gritam,
te quero.
Nasci desse jeito,
menina veneno.

Estou satisfeita, mesmo escondida,
não sofro nem penso.
Não choro, te acho, te sinto,
por vezes perdida.

Es minha menina,
à cara metade.
Teu corpo é uma chama,
…….me chama, menina.

CONFISSÃO
(o negativo)

Não sou o que penso,
nem faço o que quero.
Sou hipertensa,
me falta o bom senso.

Não sou daqui,
nem sou de lá.
Não gosto de mim,
nem vivo sem ti.

Gosto da troca,
não é doença nem vicio.
É a tristeza, é a vida,
meu viço, sem siso.

Teus beijos subjugam e prendem,
consciente não quero.
Não sou desse jeito,
só quero o veneno.

Não luto, me entrego,
não sofro pensando.
Rejeito teu pranto,
só peço tua vida.

Não es minha menina,
não tens minha idade.
Teu corpo é uma chama,
……não chama, menina.

Françoise S. D’alambert
Natal, 2013

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Arquivado em Poesia (Los Versos del Alma)

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