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VERDADES MENTIROSAS VI

Candomblé III Com este capítulo, POSTRIMEIRIAS, concluo a publicação do meu texto intitulado “VERDADES MENTIROSAS” escrito em outubro de 2008, o que me faz lembrar do intelectual mexicano Afonso Reyes Ochoa (1889-1959), escritor, poeta, ensaísta, tradutor e diplomata que nos disse: “publico as minhas obras por carecer da paciência necessária para rever os originais eternamente”. De fato, a releitura sistemática dos originais não publicados, parece ser o carma de qualquer escritor. O tormento da “perfeição” persegue todos eles (incluindo quem esta escreve), incapazes de se (nos) satisfazer(mos) com os textos produzidos. Mas já que lembrei do compatriota Afonso Reyes, vale a pena lembrar também de episódio curioso, acontecido no fim dos anos trinta e inicio dos quarenta do século passado, quando Reyes exercia o cargo de Embaixador do México no Brasil. Tendo feito amizade com o destacado pintor brasileiro Cândido Portinari, solicitou de próprio punho, ao governo mexicano, uma bolsa de estudos para que Portinari pudesse fazer um estagio no ateliê do muralista Diego Rivera. Solicitação esta indeferida, sob pretexto de falta de verbas disponíveis para este objetivo. Enfim, o dia que a cultura, como um todo, puder adquirir a importância que merece, Talvez possamos sair de vez do subdesenvolvimento que ainda nos afoga.

V.- POSTRIMEIRIAS

A Mamãe viviria mais 17 anos contra sua vontade. Mal percebeu, contrariada, que não mais vivia na total acepção da palavra, mas apenas respirava, sem alegrias, sem mais (des)iluções, sem expectativas, vendo a prole crescer, cumprindo plenamente a vontade dos deuses do Candomblé, dos deuses africanos donos da vida do destino e da morte.
No seu caso, a lógica e o bom senso teriam sido contrariados, presidiu as cerimônias fúnebres de filhos, netos e bisnetos, já tinha vivido intensamente, muito mais tempo do que todos aqueles que a precederam, tinha a convicção de já ter cumprido a sua missão. Dizia que a sua dose de sofrimento já tinha sido suficiente para pagar qualquer mal que por ventura tivesse feito e esperava a morte como um fato absolutamente natural, após um ciclo de vida estabelecido pelos mesmos deuses dos seus antepassados.
O que ela não sabia é que as leis divinas ainda não tinham sido integralmente cumpridas.
Já no fim da vida, num fenômeno pouco comum, a própria bisneta tinha-se tornado bisavó. Acabara de nascer um menino forte e sadio na alvorada do novo século, quase cem anos após o nascimento da Mamãe.
Vinte de julho de 1900 foi a data do nascimento, exatos sessenta e nove anos antes do homem pisar na lua. O Antônio se referia à data do seu nascimento e de forma especial a magia do número nove na vida da família. (*) Foi batizado pelos jesuitas, nove dias depois do nascimento, como Antônio Manuel Borges, na tradicional igreja de São Sebastião no Morro do Castelo, curiosamente, nas mais ortodoxas práticas católicas, apostólicas e romanas do sacramento.
Ninguém se esqueceu do pranto vigoroso daquele menino saudável que ao sentir a água benta na sua testa, protestava pela agressão sofrida por parte do prelado.
Teria sido provavelmente, a última alegria de D. Lucrécia.
Antônio Manuel foi um neném grande e muito bonito, pesou quase 4 Kg. ao nascer. Agnès sempre lhe disse que era igual ao pai que media quase 2,00m de altura, porém nunca conseguiu pesar mais do que 80 Kg. Era magro e comprido. Ela o achava descendente de alguma mistura entre bantos e watusis, mas em qualquer hipótese, destacava-se pelo seu porte avantajado, pelas pernas extremamente longas e pela cor brilhante de negro retinto, quase roxo.
Para Antônio o pai nunca existiu, Agnès nunca contou nada a respeito e ele nunca perguntou. Não guardou nenhuma lembrança do pai, nem para bem, nem para mal. Na familia sempre se evitou falar do assunto. Parece que foi morto por um antigo desafeto, “Capitão do Mato” das redondezas, lembrou Antônio, sem dar muita importância ao fato.
Sua infância foi aparentemente feliz, mimado por todas as mulheres do clã, como único descendente vivo do sexo masculino e de alguma forma, mesmo sendo homem, unica esperança de continuidade na direção do “Ìyámi Agba”.
Por razões que nunca ninguém compreendera a ligação da matriarca com o tataraneto parecia vir de longe; se não fosse pelas rígidas normas do candomblé, poderia se dizer que obedecia a uma ligação cármica de varias encarnações. Pelo menos o comportamento da Mamãe assim o indicava: depois de longo período de alienação, ela voltava a se interessar pela própria vida, tirava forças do passado e apostava no futuro do menino como lider e perpetuador das tradições yorubás que tanto prezava.
Alguma intuição certamente. Talvez alguma vidência. D Lucrécia olhava para ele com orgulho e muita esperança.

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(*) Nota do autor relativa à mágia do número 9. (Em sessenta e nove anos, desde o nascimento do Antônio, a humanidade teria passado pelo maior desenvolvimento tecnológico da sua história).

No inicio da década de 1990 estive conversando com o vô Antônio, um pouco antes do seu aniversário. Estava completando seus noventa anos. Nasceu sob o signo de “Cancer” e era “Rato” no zodíaco chines, contava ele sem consciência do que isto poderia significar, apenas repetindo, por hábito, sua caracterização astrológica.
Acompanhava o século, era facil saber a sua idade. Foi quando me contou a história da festa dos 90 anos da Mamãe, acontecida já em plena era republicana.
Era capaz de dar o braço direito para ter estado naquela festa, me disse que por muitos anos seu sonho dourado foi dançar para ela, para os deuses africanos e para seus antepassados naquela data mágica.
Lembrou que D. Lucrécia tinha sido mãe de 9 filhos (*), que naquela ocasião ela fez 90 anos, como ele também faria seus 90 em 1990 e que o número de descendentes diretos da matriarca era também de 90 (**).
O número nove era de fato, o número mítico de Oyá (líder das mulheres) explicava Antônio. Inclusive, já numa forçação de barra, mencionou que o avô Jacintho, teria morrido com 54 anos, cuja soma também seria nove.
História triste a do velho Antônio, alma solitária, sem descendência. Nunca se casou.
Era soldado aposentado, muito alto, talvez 1,90? só que na sua geração os homens altos eram incomuns, curvados pra frente, não tinham nenhuma agilidade, eram desengonçados e bonachões, não faziam esporte pela falta de jeito e vez por outra eram objeto de zombaria por parte das crianças da vizinhança. Para agradar estes pequenos sátiros, o velho fazia de quando em vez a imitação dos mamulengos de Olinda e girava e caminhava feito marionete, levantando os braços e fazendo caretas sob a algarabia e as risadas da molecada. Comentava que tinha apreendido a imitar os mamulengos com sua inesquecível tia Jójis, quando criança, no Morro do Castelo.
Antônio era de fato um homem grande, embora mais para balofo do que para atleta, tinha cara de gente triste, de alguem que carrega a vida nas costas, motivo mais do que provável para não conseguir levantar a cabeça (e os hombros e as costas e todo o resto), porém meigo, incapaz de matar uma barata. Usava o cabelo à moda do exêrcito, não por hábito da caserna, mas provavelmente porque impossibilitado de pentea-lo, era a única forma possível de domá-lo.
Vestia-se de forma simples e tinha cultivado ao longo dos anos, um ventre disforme que mesmo sem o hábito da bebida, lhe dava uma aparência lemuróide, braços cumpridos e mãos de tamanho descomunal.
Afinal, uma personalidade conturbada e solitária, homenzarrão introvertido, calmo e bom, amante das crianças e dos bichos que se realizava na música e na dança. Apenas a responsabilidade herdada da mãe como babalorixá do “Ìyámi Agba” mostrou-se com o passar dos anos, muito pesada para ele.
A impressão que durante muitos anos guardei do vô Antônio, era a de um homem sensível, um pensador, quase um filósofo, embora com escassa cultura.
Mais recentemente, após a nossa conversa, constatei finalmente que esta imagem, era uma mera idealização da minha parte, gerada pela sua introversão e pela sua dificuldade de expressão, o que sempre confundi com uma sabedoria própria de quem fala pouco e uma paciência inexistente, de quem tinha apenas enorme dificuldade para se manifestar.
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(*) Iyá Omo Mesian = Mãe de 9 filhos.
(**) 9 filhos, 32 netos e 49 bisnetos, Total = 90 descendentes diretos

Confessou-me com certo embaraço, os seus receios, sua insegurança e seu medo para enfrentar uma vida que não tinha escolhido viver. Na ânsia de lhe transmitir as responsabilidades do matriarcado, sem a avaliação correta da capacidade e da potencialidade do menino, a mãe Agnès foi provavelmente, a maior responsável por esta frustração, por este desânimo, enfim, por este desacerto vocacional.
Antônio por sua vez, teria complementado este quadro de sentimentos negativos pela verdadeira fixação, desenvolvida ao longo da vida pela Mamãe, admiração crescente pela personalidade e pela força espiritual da matriarca. Ele próprio, talvez, nunca percebeu, mas certamente tal condicionamento marcou sua personalidade, determinando suas atitudes e pensamentos ao longo da vida.
Dona Teresinha, amiga íntima do Antônio chegou a comentar comigo:
– Você precisava vê-lo dançar, rivaliza com as mulheres mais experientes nas danças do candomblé, embora seja um grandalhão desajeitado.
– Dança melhor do que elas, é sensual, compenetrado e distante.
– É tão competente no seu desempenho religioso, que as filhas de santo se esquecem frequentemente do seu sexo, somos uma família, todas, além de irmãs, somos muito amigas.
As palavras da Mãe Teresinha ficaram muito tempo ressoando nos meus ouvidos, demorei para reciclar a imagem que desde menino tive do vô Antônio e compatibiliza-la com as constatações que fazia nesta ocasião sobre o querido pai de santo, responsável pela brilhante condução do “Ìyámi Agba”.
– Mas que temperamento ele tem, viu? continuou a mãe de santo, colaboradora do Antônio.
-Acho que é sua forma de superar o complexo de inferioridade que arrasta desde jóvem, fica evidente quando grita para sublinhar suas atitudes e trejeitos, onde quer que ele se encontre.
– Complexo de inferioridade? perguntei, trejeitos? estranhei.
– Do que está falando? Teresinha, inquirí.
– Conheço o Antônio desde que me entendo por gente, sempre pensei nele como o avô que nunca tive e jamáis percebí nada semelhante, desabafei.
A mãe de santo ruborizou sintindo que tinha falado de mais, que não devería ter dito aquilo para quem via o Antônio como parente.
Porém, ambos sabiamos no fundo o fato que tinha gerado o rubor por parte dela e a minha perplexidade; na verdade não era bem o complexo de inferioridade que teria me perturbado, era sim, denotando um evidente preconceito da minha parte, a descoberta de uma possível homosexualidade do velho. Trejeitos? continuava a me perguntar.
Senti-me incapaz de articular qualquer explicação para o fato, a minha perplexidade tornou-se evidente e a mãe de santo voltou a intervir:
– Olha aqui meu amigo, para ser um verdadeiro representante do culto não é necessário ser mulher, esta historia já era, disse ela, censurando meu preconceito e o dos próprios africanos com relação à preferência feminina para dirigir os rituais do culto.
-Antônio Manuel é suficientemente honesto e digno para adotar na prática do candomblé, um comportamento feminino quando as coisas do espírito nele se manifestam.
– Sendo homem, continuou D. Teresinha, é verdade que é obrigado a delegar muitas das suas funções cruciais a uma mulher do templo e no final das contas, é ela quem manda no seu lugar, mas sua postura, a presença marcante de babalorixá e principalmente a sua mediunidade, sempre lhe garantiram a liderança do terreiro.
– É verdade aduziu, que isto por vezes esvazia o cargo do Pai, mas continuo achando o Antônio Manuel extremamente coerente e sério, não é a toa que o Orixá do nosso Babalaô é Iansã, a deusa bisexual.
Conheci a Mãe Teresinha há muito tempo, mas nunca tivemos uma ligação direta.
Sabia da confiança que o Antônio depositava na sua seriedade e me transmitia confiança e intimidade. Era determinada e guerreira, meio rígida, até pelas exigências do culto, mas, inteligente e extremamente dinâmica capaz de substituir o Babalorixá quando necessário.
O que sempre achei extranho é que fosse gaúcha, muito branca, cabelos castanhos até os ombros e olhos côr de mel, mas o próprio Antônio me disse que no Rio Grande do Sul existiam mais terreiros de candomblé do que no Rio de Janeiro, perdendo apenas para a Bahia. (*)
Ela beirava os 50, altiva, postura sempre erguida, cabeça levantada e andar firme e cadenciado. Seios firmes, tez amadurecida pelas dificuldades da vida, por vezes dura; séria e intransigente para qualquer deslize, notadamente a mentira. Seus olhos, verdadeiras janelas da alma, revelavam, invariavelmente, seu estado de espírito. Livro aberto para próprios e estranhos.
Naquela ocasião, como ao parecer por hábito, vestia branco dos pés à cabeça. Saia rodada com apliques rendados em faixas alternadas entre a barra e a cintura, blusa de bainhas de laçada, larga e decotada, tipo tomara que caia, permitindo o aparecimento dos seus ombros e do inicio dos seus alvos seios. No seu colo, emoldurado por pesados e inúmeros colares, destacava-se um cordão de ouro embrulhado em fitas com as cores da bela Oxum, (**) combinando com os brincos do mesmo material. Descalça e leve, parecia sempre caminhar sobre a ponta dos pés.
Para ser honesto a minha verdadeira perplexidade não era a descoberta da possível homosexualidade do velho, mas o fato de nunca ter sequer suspeitado desta condição, nos quase cinquenta anos de verdadeira amizade.
Eu sabia que dançava no terreiro, nunca o ocultou, sabia da sua mania de se travestir, mas sempre achei que isto fazia parte do culto, até sabia que confeccionava suas roupas femininas inspirado na D. Lucrécia, mas “gritinhos” e “trejeitos” certamente nunca tinha presenciado.
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(*) Conforme levantamentos recentes da Federação Bahiana de Cultos Afro-brasileiros, existem 2,230 terreiros de candomblé no estado da Bahia, registrados na entidade e quase 2% da população brasileira (mais de 3 milhões de pessoas) se declararam, no último Censo do IBGE (2000), item religião, como adeptos do candomblé.
No mesmo Censo, os dados sobre religião, revelaram que o Rio Grande do Sul, é o Estado que, proporcionalmente, concentra o maior número de adeptos de Religiões Afro-brasileiras no país, onde são conhecidas como “Batuque” ou “Nação” em memória das nações africanas, berço desta tradição.
(**) Oxum é a deusa das aguas, dona e moradora do rio oxum, afluente do Niger na mãe Africa.
Senhora da fertilidade, da gestação e do parto, responsável pelos recém-nascidos, lavando-os com as suas águas e folhas refrescantes. Jóvem e bela mãe, mantendo suas características de adolescente.
Cheia de paixão, busca ardorosamente o prazer. Coquete e vaidosa é a mais bela das divindades e possui a própria malicia da mulher menina. É sensual e exibicionista, consciênte de sua rara beleza, se utiliza desses atributos com jeito e carinho para seduzir as pessoas e conseguir os seus objetivos.

– Eu compreendo, disse-me Teresinha, o nosso Pai, pode até ser homosexual, mas nunca foi devasso, acho inclusive, se quer saber, que é virgem. De fato, nunca teve relacionamento algum, nem com homem, nem com mulher, concluiu.
– Tinha por vezes um comportamento extranho, mas sempre achei que fosse produto da sua introversão, da sua aparente timidez. Seu sentido do humor é que era diferente, explicava nossa amiga.
– O grande conflito de Antônio Manuel, prosseguiu, radica na sua profunda vontade de encarnar a força e a tradição da Mamãe, porém seu físico avantajado, seu corpanzil, evidenciando seu sexo, o impedem de exercer plenamente as responsabilidades de uma Ialorixá.
– Desta forma, acho eu, compensa em segredo suas frustrações, inclusive, tendo aprendido com o avô Jacintho a pratica da magia.
A rigor, sabia-se a boca pequena, que além da sua habilidade como feiticeiro (era devoto de Ifã, deidade do destino) e da sua homosexualidade latente, tinha uma queda por mulheres jóvens e gordas a quem gostava de dar tapas e beliscões, o que teria lhe acarretado alguns problemas sérios, contornados, ou pela sua força e corpulencia, ou pela intervenção da mãe Agnès, quem sempre desfrutou do respeito e da confiança da comunidade.
Demorei em me recuperar. Muito tempo se passou até que conseguisse encarar de novo o vô Antônio, questionava a minha incapacidade de compreender a realidade, me achava realmente preconceituoso, mas no fundo, aquele filme da vida do Antônio passava repetidamente pela minha cabeça. Lembrava-me da sua coleção de bonecas, dos seus vestidos coloridos, dos colares e brincos à usança da Mamãe, do seu esforço para se aperfeiçoar na execução das danças do terreiro e inclusive do ódio que sentia pela milicia e por todo aquilo que pudesse lembrar o exército, onde, pela falta de recursos, teve a oportunidade de estudar, inclusive e principalmente de forma remunerada.
Tudo num instante parecia reviver o passado, a minha infância.
De fato nunca se casou, era solitário e introvertido, mas seria realmente virgem?
Teria mantido este tipo de comportamento por causa do “Ìyámi Agba”? pela responsabilidade herdada da mãe Agnès?, pela fixação que tinha pela Mamãe?
Tudo parecia confuso, tentava não dar importância as novas, porém tradicionais evidências, mas no fundo do meu coração o carinho pelo velho falava mais alto.
Gostava dele, da sua liderança conquistada pela bondade, pela sutileza do amor ao próximo, especialmente as crianças, aos fracos e aos oprimidos.
Antônio me lembrava do conhecido tio Julio, também um gigante da minha infância, na figura, na voz de eterna rouquidão e na mansidão, mas principalmente pela sua ingenuidade e pela sua capacidade de criar soluções simples para problemas aparentemente complexos. Era capaz de engulir litros e litros de sorvete de pistache, com pena do dono da sorveteria, imaginando a dificuldade que ele teria para vender um sorvete tão desagradável ao (seu) paladar.
A ultima vez que vi o Antônio Manuel foi em 1992, pouco antes de ele falecer, na missa anual que promovia para a Mamãe Lucrécia, para a velha Sikè, de tão viva memória.
A comemoração religiosa ocorreu como sempre, na Igreja da Matriz, no bairro de Botafogo, zona sul do Rio de Janeiro de onde saimos caminhando rumo ao cemitério São João Batista onde tinha sido enterrada sua mãe D. Agnès. Era o seu ritual anual, após a missa da grande matriarca, a oferenda de lírios do campo no túmulo da mãe.
Seu caminhar era lento, balançava o corpo e a cabeça de um lado para outro, os braços não acompanhavam a caminhada de forma natural, curiosamente pareciam apenas dependurados dos ombros, feito boneco articulado. A idade também não ajudava mais, a sua vida se tornou pesada e ele, taciturno, melancólico, frustrado e triste.
Parecia que adivinhava meu pensamento, contou-me alguns trechos da sua vida, as pasagens de que mais se orgulhava, coincidindo com a minha curiosidade pelos pontos escuros da sua personalidade.
Eu apenas fazia um esforço para não interromper, prestava muita atenção e assentia com a cabeça, atiçando a conversa, permitindo que percebesse o meu interesse pelas suas histórias.
Sabe? meu filho (me chamava de filho e eu sentia seu afeto direto no olhar, sem nenhum subterfúgio), acho que não vou viver muito mais tempo, viví de ilusão, aferrado as tradições, sonhando com os antepassados, me sacrificando para poder corresponder as expectativas da minha mãe. Hoje não tenho mais ilusões, se a Teresinha se empenhar até poderá dar continuidade ao “Ìyámi Agba”, mas a minha impressão é que todo isto vai acabar.
-Como se diz hoje em dia é uma questão de mercado, nê?
– O Rio de Janeiro não é a Bahia, sabe? aqui as pessoas se ligaram muito mais à Umbanda, à Quibanda, as seitas pentecostais e evangélicas. Cada religião atinge à camada de população que mais se identifica com ela.
– O candomblé as vezes me parece alheio à populçao carioca, não é mais como antigamente, talvez seja muito rígido, talvez a população se sinta mais próxima dos pretos velhos, dos caboclos.
– Parece que os deuses africanos não fazem mais sucesso por aqui.
O velho estava ofegante, caminhar e falar ao mesmo tempo não era mais possível para ele. Entramos na Imperial, na esquina da Voluntários com a Real Grandeza para beber uma água mineral. O Antônio comentou algumas peculiaridades da tradicional confeitaria e lembrou-se do mini-pão francês amanteigado, especialidade da casa desde o século XIX. Comprou algumas gramas, após se certificar que o pão ainda estivesse quente. O clima, ameaçador, mudava rapidamente; continuava abafado, mas fortes rajadas de vento anunciavam chuva a qualquer momento.
Continuamos a caminhar em direção ao cemitério, sem pressa, nada mais parecia perturbar seu raciocinio, poderia cair um temporal, mas nada poderia afastá-lo do seu caminho, da sua tradição, da sua homenagem anual à própria genitora.
Mas viu meu filho, continuou do ponto em que tinha parado.
– As vezes penso que isto tudo não passa de um sonho em que todo se mistura, não tem criadores nem criaturas, somos todos espíritos eternos, é a realidade, mesmo que pareça sonho. Me belisco para saber que não estou sonhando e mesmo sentindo dor, continuo a sonhar porque percebo a relatividade do mundo em que vivemos.
– Mentimos a nós mesmos a vida toda, acreditamos em fantasias e por vezes colocamos tanta fé no nosso sonho que até somos capazes de materializa-lo.
– Agradeço a Deus por todas as benções recebidas e por me permitir perceber a realidade, mesmo sem conhecer a sua verdade.
– Você pode não acreditar, mas é fácil enganar o nosso cérebro, faze-lo pensar que estamos felizes para ele produzir endorfinas gratificantes, ou manifestar tristeza e desencanto, permitindo que envenene o nosso organismo, ou ainda, mesmo nos comportando naturalmente, de imediato, o subconsciênte, como exímio dedo-duro, transmite nossos verdadeiros dilemas, gerando molestias e dissabores inconsciêntes.
Eu acompanhava seu ritmo no caminhar e no pensar, fiquei com medo de atrapalhar o seu raciocinio e principalmente cortar a sua fluência, incomum e surpreendente.
Mesmo assim, com toda a coragem de que fui capaz, numa das pausas feitas para respirar, futuquei:
-Mas vô Antônio, me acostumei a ve-lo sempre satisfeito, de bem com a vida, o Senhor mesmo me transmitiu a crença nos deuses africanos, a confiar neles como criadores do mundo e como guardiões das criaturas que aqui colocaram.
Acostumei-me a ve-lo dançar, a vestir aquelas saias rodadas, a acreditar firmemente que mesmo sendo homem, podería dar conta do terreiro como foi o desejo da sua mãe e da Dona Lucrécia.
O senhor acha que se tivesse sido mulher as coisas teriam sido mais fáceis no “Ìyámi Agba”, perguntei sem saber ao certo se queria ouvir a resposta.
Isto justifica a homosexualidade? Perguntei. Os deuses africanos permitem? Arrisquei.
Ele sabia a verdadeira origem das minhas perguntas, da minha repentina e tardia curiosidade sobre o tema; sem parar de caminhar, quase chegando ao cemitério, mudando o tom da voz e tentando encontrar as respostas no fundo do coração, o velho Antônio me disse:
– Meu filho, espírito não tem sexo, a gente apreende neste mundo com as experiências que o gênero em que reencarnamos nos proporciona. A homosexualidade não é sinônimo de depravação ou de libidinosidade, é a presença mediúnica das nossas experiências passadas em um ou em outro sexo. Nada a ver com relações sexuais, com libertinagem ou devassidão. É apenas atração incontestável pelo mesmo sexo, independentemente das convenções ditas sociais, compreendeu? A nossa mediunidade nos fala claramente sobre os hâbitos adquiridos, quando repetidamente reencarnamos num mesmo sexo.
– Veja meu caso, falou Antônio num tom de voz mais grave do que o normal, meus padrões de excelência me foram transmitidos pela minha mãe, pelas fortes tradições estabelecidas pela Mamãe, a minha tribo sempre foi matriarcal, a força era das mulheres, a autoridade sempre foi exercida pelas mulheres, EU DEVERIA TER SIDO MULHER.
Naquele momento a emoção do velho aflorou, mesmo silenciosamente, em volumosas e pesadas lágrimas.
Voltei a me sentir aquela criança que ouvia suas estorinhas embasbacado, sem compreender muita coisa, mas fascinado pela imaginação e a experiencia do vô Antônio.
Estavamos cruzando naquele instante o portão principal do cemitério e lí quase involuntáriamente a frase do Fernando R. Gil: “REVERTERE AD LOCUM TUUM”.
…………………….Sempre me identifiquei com a Mamãe, você sabe, continuou o Antônio.
– Não precisa dizer nada vô, o Senhor não está legal, disse-lhe já arrependido de ter feito aquelas perguntas cretinas, cujas respostas em nada modificariam a minha forma de pensar sobre a grande figura que me tinha brindado seu carinho e sua atenção por tantos anos.
A chuva iniciava sua queda inexorável e os pingos se fundiam entre si até tornar-se uma verdadeira tempestade. A General Polidoro alagou em menos de cinco minutos, e o céu obscureceu ameaçador. A natureza cobrava mais uma vez o seu tributo, o rio Berquó que desaparecera sob os túmulos para que a Santa Casa de Misericôrdia pudesse enterrar mais alguns corpos e consequentemente embolsar mais um trocado, tinha sido criminosamente canalizado. O sistema de esgoto ainda era, mais de cem anos depois, o mesmo que D. Pedro II tería mandado colocar.
Neste clima de tormenta, quase apocalíptico pela predominância dos tons acinzentados que envolviam o ambiente, o velho Antônio olhou para os lirios do campo que carregava e percebeu que tinham absorvido toda a carga de emoção que ele próprio colocara na nossa conversa, cairam desfalecidos sem mais possibilidades de salvação. Murcharam antes da oferenda, pela primeira vez em todos esses anos.

Rio de Janeiro, 16 de outubro de 2008
HB

“Un escenario, otra música, las tumbadoras que tanto de noche como de dia le imprimen ritmo al culto santero.
Veneramos a los santos a qualquier hora, en una casa, en una terraza, en un pátio y nos encontramos nuevamente en el ojo del huracan, a algunos pasos del altar donde se exponen candidos objetos: cazuelas, muñecas,medallas, flores, collares, platitos con monedas, guisados, ofrendas sin fin, a Changó, Obatalá, Yemayá, Ogún, Ochún e Eleguá.
Humedecemos la tierra con el caldo que de ella extraemos e gota a gota, enajenados, apagamos la sed de los orixas. La fiesta pagana se adueña del lugar.
Los pies frenéticos de las madrinas acompañan la cadencia primitiva de los mantras caribeños y dejan pulsar naturalmente, bajo los albos vestidos, las caderas voluptuosas.
Los dedos azotan el aire bochornoso de los templos, dilaceran las pieles, golpean los cueros, perturban el gris del pensamiento. Las grupas se agreden, los pechos se rozan, los torsos giran, las mentes vuelan y las brazas de la posesión encienden las miradas evadidas hacia el mas allá.
YORUBA reina sobre su pueblo atiborrado, embriagado y finalmente apaciguado. La cubanía fermenta en ese manto popular y arrabalero de la Habana.”
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Uma VERDADE MENTIROSA.
Livre adaptação sobre texto original de Fernando Campoamor: “Cuba: La Leyenda del Ron.”

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VERDADES MENTIROSAS V

CandomblŽC: Cynthia Britto/ PulsarLic/00 fasc31 pag 11 Hist—ria

IV.- A FESTA

A festa dos 90 anos da velha Lucrécia, pouco antes do fim do século XIX, foi memorável, mas segundo meu avô representou a verdadeira aposentadoria de quem se pensava que seria eterna.
Estava cansada, sua cabeça já era uma bola de algodão espesso e encarapinhado.
Ficou evidente que seu estado de espírito não mais dependia apenas a sua vontade, fisicamente não mostrava mais interesse pelas atividades que desenvolvia, estava desiludida, seu pensamento vagava acompanhando seu espírito distante e absorto. Seus olhos se fixavam no infinito, como se estivesse vendo o além, sobre as nossas cabeças.
O tradicional beija-mão tornou-se monótono e impessoal, Ela, sentada naquele trono de madeira de lei, estofado em veludo vermelho e apliques imitando renda, abençoava mecanicamente, alheia à alegria aparente das pessoas pela passagem da data.
Vestia para a ocasião, blusa de bainhas de laçada, larga e decotada, permitindo o aparecimento de parte dos seus ombros e do inicio dos seus braços roliços cheios de covinhas, realçados pelo cordão de ouro com as cores de Oxum, combinando com os brincos do mesmo material. Saia rodada de tafetá rosa com apliques dourados e largos e pesados braceletes de ouro velho com balangandãs e incrustações de coral.
Seu busto enorme transbordava sobre o colo por demais generoso. As nádegas e culotes, também avantajados eram sustentados por vigorosas coxas e pernas roliças, terminadas em mimosos tornozelos e pés de pequenos dedos muito juntos. Sua volumetria tirava parte da velhice que carregava; mesmo com dificuldade de movimentos, mantinha certo dinamismo, próprio das guerreiras que, como a Lucrécia, passaram a vida na luta consciente dos seus direitos, dos seus objetivos, dos seus ideais.
As mangas curtas deixavam ver braços grossos, massas de carne macia e firme que faziam covas fundas nos cotovelos e terminavam em pulsos e mãos de aparência frágil.
E mesmo assim a Mamãe dançava eventualmente, mas com pés de fada.
Quase todos os ogãs, “feitos” ao logo do tempo pela Mamãe, marcaram presença nesse dia. Eles representavam a verdadeira proteção do templo; alguns pelo seu dinheiro, mas na sua grande maioria, pelo prestigio que traziam consigo, pelos cargos públicos que ocupavam ou pelas posições de destaque na política, nas artes ou na vida cultural da cidade cada vez mais intensa na segunda metade do século retrasado. Fizeram questão de reverenciar a Mamãe.
Alguns ex-escravos, humildes e sem posses, também ogãs feitos pela Mamãe, permaneciam sentados no salão, compenetrados, prestando suas homenagens a quem sacrificou sua vida para intermediar a proteção dos deuses sobre aquela comunidade.
Sinceramente, deveria ter sido muito estranho observar aquela concentração de pessoas, unidas na homenagem à Sikè, à Lucrécia, à nossa Mamãe, inclusive porque muitos dos presentes eram reconhecidamente católicos, reconhecidamente detratores dos cultos chamados fetichistas e propagadores da discriminação e do preconceito contra as coisas consideradas pela sociedade fechada da época, como ligadas ao demônio.
Simplesmente, o reconhecimento às qualidades e ao trabalho incansável e desinteressado da velha ao longo de tantos anos, possibilitava a “saída do armário” de dezenas de pessoas que, em condições normais só frequentavam o terreiro na calada da noite e mesmo assim, cobertos por longas e escuras capas à usança de “Don Giovanni”. Ainda não era moda, não existia charme nenhum nisso, sabidamente, sua liberalidade seria criticada a boca pequena logo no dia seguinte.
O pessoal da Bahia enviou delegação significativa para a homenagem. A Mamãe teria “feito” para o Candomblé a Mãe Pulquéria, herdeira da Casa do Gantois em Salvador, tia-avó da Menininha (*), muito respeitada pela intransigente observância às tradições nagós (termo equivalente na Bahia para identificar os yorubás, como conhecidos no Rio de Janeiro).
Na verdade, a relação com o terreiro “Ilê Iya Omin Axé Iyamassê” (posteriormente do Gantois), já vinha de longa data, quando a D. Lucrécia herdou o terreiro da sua mãe no Rio (“Ìyámi Agba”) e estabeleceu relação de amizade com Dona Maria Júlia da Conceição Nazaré, primeira Ialorixà da Bahia e avô da Menininha.
Esta amizade, embora esporádica, era muito forte, porque baseada na seriedade e no respeito mutuo gerado pela estrita observância às tradições do Candomblé originário do Vale do Níger, na mãe África.
Aquela festa, certamente representou a necessidade da comunidade de homenagear a figura marcante da Lucrécia. Foi importante para eles; mas certamente não para ela, quem apenas representou na ocasião o papel de figurante.
Num canto se acumulavam os presentes recebidos ao longo da semana, basicamente arranjos florais, simples, mas vistosos e cheirosos, alguns com faixas alusivas. Muitos tinham caráter sentimental, a guisa de ex-votos denotavam gratidão, outros lembravam passagens de infância, época em que de alguma forma, os convidados ou seus filhos se ligaram à Mamãe.
Os homens vestiam roupas azuis, alguns, camisetas brancas. As mulheres usavam vestidos cumpridos de algodão de um branco impecável, algumas com turbante, outras com o cabelo solto e cumprido. Felizmente, as menos, desafiando a tradição, tinham espichado os cabelos para a comemoração.
Num passado que se apetecia recente, a Mamãe não teria permitido o relaxamento que se respirava no salão. Usando ruge e saltos altos rodopiando como se saias rodadas estivessem usando, porem em vestidos retos tipo chemisier à semelhança dos que em breve se tornariam famosos nos corpos das melindrosas e porta-seios que valorizavam suas curvas, as “filhas de santo” cujas nádegas, já naturalmente por herança antropo-física, se projetavam acentuadamente, apareciam e aconteciam.
Só dançavam as mulheres e alguns jovens descalços de saia rodada e turbante, bem mais arrumados do que elas, usando pulseiras e colares.
Os homens alheios à dança zanzavam pelos cantos do salão.

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(*) Escolástica Maria da Conceição Nazaré, a Mãe Menininha presidiu até 1986, como grande sacerdotisa, o terreiro do Gantois, quando morreu aos 92 anos de idade. Legou esta responsabilidade para sua filha Creusa, falecida também poucos anos depois.
O sobrenome Gantois nada tem a ver com a família da Mãe Menininha, é apenas o sobrenome do cidadão francês, dono original da área em que foi fundado o terreiro de Dona Maria Júlia da Conceição Nazaré.

Uma verdadeira multidão tinha comparecido, A Mamãe tinha “feito” tantas sacerdotisas ao longo da vida e desta vez voltavam para uma homenagem que se oferecia tardia para quem, pelos padrões da época, parecia eterna aos noventa.
O salão tinha sido decorado de forma muito simples, como era a própria construção de alvenaria, sem reboco, sem alizares nas portas e janelas e notadamente sem luminárias, apenas lâmpadas de pouca voltagem penduradas do próprio fio elétrico, conferindo ao recinto um aspecto de penúria e até de certa pobreza. Como de hábito, as janelas fechadas, poucas cadeiras e piso de terra batida previamente umedecida para neutralizar a poeira. Muita gente em pé, bebendo cerveja e rindo como teria acontecido numa festa de casamento ou batizado. Os ogãs se movimentavam sem parar e os músicos curtiam os couros, afinando seus instrumentos para a dança.
D. Lucrécia mirava sem olhar, nenhuma homenagem a teria feito acordar daquela letargia em que se comprazia. De manhã tinha colocado um vestido amarelo de Oxum e quatro compridos colares de contas da deusa, também amarelas, “fechados” por três grandes contas leitosas de Iemanjá.
O preparo final consistia num período de meditação e prece que costumava demorar entre duas e três horas antes do inicio dos trabalhos. Ela cumpria com determinação e íntimo prazer estes rituais preparatórios que a ligavam aos deuses.
Os tocadores de atabaque permaneciam sóbrios cumprindo as determinações da Agnès. Mais do que rituais tradicionais, tocavam velhos “pontos” de candomblé e cantigas de roda propiciando a dança no salão.
Entre os presentes à homenagem destacavam-se 90 filhas de santo “feitas” no terreiro e escolhidas a dedo para representar cada um dos anos de vida da matriarca. Voltavam de livre e espontânea vontade para prestigiar à madrinha, à guia, à orientadora de sempre.
Esta presença foi eternizada numa relação manuscrita, em ordem alfabética, que o velho Antônio ainda preservava:
Adelina, Albina, Amália, Ambrosina, Anastacia, Antonia, Apolinaria, Arminda, Athanazia, Belmira, Benvinda, Benta, Bernarda, Bonifacia, Brígida, Caetana, Cândida, Caridade, Casemira, Claudina, Clemencia, Damazia, Delphina, Dezidéria, Diolinda, Dionizia, Dolores, Eduvigem, Emília, Engracia, Esmeria, Esperança, Eulália, Eufrasia, Eva, Fabriciana, Feliciana, Felizarda, Felizbina, Firmina, Florencia, Florinda, Francisca, Furtuoza, Geraldina, Germana, Gertrudes, Herculana, Hermengarda, Hyppolita, Idalina, Innocencia, Ismenia, Izabel, Jacinta, Joanna de Deos, Josefa, Luduvina, Lasarina, Leonarda, Luciara, Malvina, Marcolina, Maria da Graça, Maria da Gloria, Maria Joaquina, Martinha, Mathildes, Maximiana, Micaela, Pacifica, Palmira, Paulina, Porfiria, Prudência, Querina, Rafaela, Raymunda, Rofina, Rosalina, Roza, Sipriana, Serena, Silveria, Theodora, Thereza, Umbelina, Úrsula, Victorina e Virginia.
No fim, em menos de 50 anos, a partir desta data, poucas se mantiveram fieis aos ensinamentos da Mamãe, parecia que de propósito ela tivesse dito: “Vão, se espalhem pela infinita terra Brasilis distribuindo as bênçãos dos deuses do Candomblé conforme o entendimento de cada uma, aumentem indefinidamente a relação dos deuses, incorporem ao relacionamento espiritual com as divindades todo e qualquer tipo de espírito, falai com os mortos, interpelai-os, questionai-os, desafiai-os, deixai que as cavalguem, mulheres e homens indistintamente, se ajustai às modas passageiras, usai as roupas que valorizem seus corpos, as maquiagens que ressaltem os seus caracteres físicos, o tipo de cabelo usado pelos gringos e pelas raças dominantes. Não deixeis de cobrar pelos serviços prestados e procurai vender com lucro, tudo aquilo que necessário for para as oferendas. Não deixeis de fazer despachos e magia; ensinai a arte da maldade e da vingança, invocai todos aqueles capazes de ajudar no trabalho de se dar bem às custas daqueles que ainda acreditam na boa vontade e no desinteresse dos criadores do mundo. Vão, enfim, jogando os búzios e as cartas, trazendo de volta os amores perdidos no menor tempo possível e amarrai-os a um carma que não o deles, a uma sina alheia pela força da espiritualidade. Mudai finalmente, sempre que possível, a vontade daqueles que traçaram os destinos da humanidade e contribuam, mesmo que sem intenção declarada, para a destruição da nossa casa, da nossa pátria, da nossa cultura e do nosso mundo”.
A data, que deveria ser comemorativa e alegre ficou conhecida nos anos subsequentes com o nome genérico de “A Festa”. Todo mundo sabia da tristeza e da melancolia que tinha tomado conta da velha. Parecia que nunca mais, alguém conseguiria fazer alguma coisa para restaurar a antiga vitalidade, a incansável obstinação da matriarca pela caridade, pela ajuda constante aos mais carentes e aos sofredores, segundo os critérios da justiça divina no próprio candomblé.
Nesse mesmo ano, 1896, Egungum, afugentando os deuses africanos, fazia seu aparecimento no terreiro de D. Lucrécia. O inferno astral da matriarca, para denominar de alguma forma este período de profunda depressão em que ela se encontrava, parecia marcar de fato o triste futuro da família, do terreiro, dos Borges de Oliveira e Souza e da pequena comunidade desenvolvida no seu entorno.
O falecimento de Jacintho aos 54 anos representou o mais duro golpe por Ela recebido naquele tempo. Os conhecimentos do neto predileto, sua experiência na África, suas orientações sobre as tradições yorubás e especialmente seu apoio constante na organização da infraestrutura do terreiro, eram de fato indispensáveis. Em outro momento da vida da Mamãe, talvez fosse possível superar este trauma. Naquela ocasião, representou o inicio do fim. A bisneta Agnès, filha de Jacintho e mãe de Antônio Manuel, apenas com escassos 20 anos à época, absorveu de vez as responsabilidades do terreiro, conseguindo por hereditariedade, o respeito da pequena comunidade de seguidores do “Ìyámi Agba”.
O episódio precipitou a necessidade de preparar o terreiro para realizar os ritos compulsórios de Axexé (*). Seria necessário remover do templo os miasmas gerados pela morte de Jacintho. Neste caso, não tendo morrido a alma do neto no fim do ciclo, a preocupação era patente. Teria que ser afastada, lhe dar um fim condizente com a passagem desta figura falecida ainda jovem, para a tradicional longevidade da família e extremamente querida por todos.
Paralelamente, seriam realizadas missas na Igreja de São Sebastião para encomendá-la a Deus. Mais uma vez, os rituais da religião dominante, numa miscigenação a esta altura indissolúvel, marcavam presença indelével no cotidiano do candomblé.
Era um daqueles momentos em que parece que os deuses se esqueceram da gente, um daqueles momentos em que ficamos perplexos com a sua vontade, com a nossa incompreensão dos seus desígnios. A Mamãe, por momentos, parecia duvidar de tudo aquilo que pregara ao longo da sua vida.

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(*) Axexê = Ritos Fúnebres.

Nestas condições, a grande cerimônia de AXEXÊ, sem a qual seria impossível continuar a viver, foi marcada para uma sexta feira e o inicio dos trabalhos para as nove e meia da noite. Pontualmente a Mamãe entrou no terreiro onde já se encontravam as filhas de santo, os ogãs, os músicos e alguns convidados selecionados para assistir à cerimônia.
Todos vestindo branco, D. Lucrécia presidindo, tinha colocado um xale preto sobre os ombros e o ar era rarefeito e solene. O cheiro de ervas, de óleo de amêndoa e de parafina dominavam o ambiente.
O terreiro, soturno e austero parecia ter sido construido apenas para aquela cerimônia, numa ambiência criada aos poucos pelas filhas de santo, respirava-se um ar, mais que de tristeza, de preocupação pelo destino da alma de Jacintho.
Elas, as afilhadas, iam se acocorando sobre esteiras de vime, obedecendo a uma ordem aparentemente natural, mas que denotava certa hierarquia vinda da sua antiguidade naquela casa. Eles, os músicos, ocupavam seu lugar costumeiro, porém sem atabaques, num silencio gritante, de dor profunda, mais do que solene.
Os ogãs e os convidados se acomodavam nas laterais do templo, compenetrados com aparente respeito, nem tanto pelo falecido (já que o fato da sua alma não ter tido o fim desejado, continuava gerando preocupação além da vida), mas pela Matriarca, pela sua dor, pelo medo de que pudesse pressentir a falsa “presença de espírito” de alguns dos convidados.
Num silencio absoluto em que se escutavam apenas os batimentos cardíacos dos corações aflitos, a Mamãe iniciou a cerimônia com um cântico de Axexê profundo e transcendente, na língua yorubá.
Sua voz solenizava a morte. Ressoando em todos os cantos do terreiro, eriçava a pele dos ouvintes, invocando os eguns, os mortos vivos, num verdadeiro lamento, num pedido arrastado, numa esperança renovada.
Como único som ambiente no recinto, as filhas de santo batiam palmas compassadas de saudação. Os músicos, desprovidos de instrumentos, emitiam sons guturais a guisa de coro, emprestando ao local um clima mortuário, aparentemente desejável.
Já numa ambiência apropriada, conseguida pela repetição abafada dos cânticos e das palmas, a Mamãe, com alguma dificuldade, mostrando o verdadeiro peso do seu corpo sobre suas pernas fatigadas, dançava arrastada, para a deusa Oxum.
Lentamente, um a um, os ogãs e convidados, dirigiam-se ao centro do salão, onde, numa enorme bandeja quase plana, de vime trançado, depositavam pequenos envelopes com dinheiro. Tal prática, comum naquele tempo e ainda utilizada em alguns terreiros, visava o pagamento das despesas funerárias, aí incluídas as missas encomendadas aos jesuítas na principal igreja do Morro do Castelo.
Curiosamente, esta atitude solidária para fazer frente às necessidades terrenas dos que trilham os caminhos do espírito, é comum no oriente. Os asiáticos em geral e os japoneses em particular, cultuam até hoje esta prática, para que aqueles que ficam possam enfrentar a vida que, invariavelmente, continua. Entre os Budistas e algumas seitas Shintoistas, esta experiência estende-se às cerimônias dos ritos de passagem, inclusive batizados e casamentos.
Dona Lucrécia escondia os volumosos seios com o xale preto que portava e continuava a dançar, sem nenhuma pressa, entregue de corpo e alma, dramática e prazerosamente.
As filhas de santo dançavam também, uma de cada vez, rodopiando e espalhando oferendas comestíveis para os deuses protetores e para aqueles que não temiam a morte.
Pipoca para Omolú (deus da peste) e para Ogúm (deus das estradas e dos cemitérios), outras comidas típicas eram também servidas para Oxúm (protetora da Mamãe), para Xangó (deus guerreiro responsável pela proteção do Jacintho) e para Oxalá, como pai de todos os deuses. (*)
À diferença dos rituais comuns do candomblé, no Axexê os deuses não descem, nem cavalgam, nem orientam, nem se divertem. As filhas de santo, nas suas diversas hierarquias e responsabilidades, apenas dançam conscientes da sua missão. Concentra-se e verticaliza-se o pensamento numa prece sem fim, para pedir do fundo do coração, a verdadeira morte da alma errante, objeto do axexê.
Curiosamente, esta visão do mundo espiritual no candomblé, varia significativamente com relação a outras religiões (obviamente espiritualistas), em que se acredita na imortalidade do espírito e na reencarnação como uma forma inesgotável para o progresso gradativo do ser integral, além de uma clara manifestação da justiça divina.
Cerimônia longa e cansativa. As práticas do axexê não poderiam ser interrompidas até não ter conseguido seus objetivos. A noite se iniciava praticamente naquele momento e a total limpeza do templo e o encaminhamento adequado da alma do Jacintho, seriam apenas concluídas na alvorada do dia seguinte.
Nestas ocasiões, por força da concentração de esforços no trabalho comunitário, a intimidade dos participantes fica exposta. O terreiro torna-se um verdadeiro acampamento, mães, filhos e agregados são obrigados a se adaptarem as exigências do templo e principalmente as responsabilidades dos adultos.
Por demais questionável aos alhos de estranhos, a presença de crianças neste tipo de cerimônia é fundamental. É a imagem da pureza, comentava Antônio Manuel, as crianças são as únicas capazes de tirar a energia negativa do egungum, representam a esperança de renovação, a única garantia de vitória nesta luta contra as almas errantes.
As crianças eram preparadas para isto e até ganhavam “uniformes” com as cores dos orixás, todavia, dava pena ver o esforço a que eram submetidas. Sonolentas, sem o menor interesse pelo conteúdo da cerimônia (até por não entenderem seus objetivos), se distraiam com facilidade, brincavam e até dormiam. Dançavam mal e até eram repreendidas com severidade para cumprirem seu objetivo religioso.
A cerimônia continuava inexorável, parecia um show interminável em que cada filha de santo, em que cada ogã e até convidados especiais, cantavam ou dançavam para contribuir no esforço coletivo da comunidade.

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(*) Estas oferendas consistiam basicamente, em iguarias da cozinha afro-brasileira, muito temperadas e de gosto e cheiro marcantes, conhecidas genericamente na Bahia, como CARURÚ e no Rio de Janeiro, apenas como oblações gastronômicas.

Um ogâ especialmente designado pela Mamãe assumiu o espírito do Jacintho, cantava com certa desenvoltura, dançava mal e até provocava alguma hilaridade nos presentes em função da sua dramaticidade forçada que resultava francamente cômica. Parecia apenas uma grande família reunida num tradicional velório cristão.
Ambiente pesado, atmosfera carregada, mistura de cheiros marcantes e odores característicos, velas, incensos, ervas, frituras temperadas, suor e lágrimas.
Entorno da uma hora da manhã de sábado houve pequeno intervalo para servir as comidinhas preparadas previamente. As filhas de santo apenas beberam café puro e antes das duas horas, a cerimônia fora reiniciada; na mesma cadência, repetitiva, eterna e maçante, só foi concluída quando após das cinco horas da manhã, os raios do sol faziam a sua aparição abraçadora, anunciando um dia provavelmente mais quente que o anterior.
A Mamãe dançou de novo encerrando a cerimônia numa homenagem a Omolú- Obàluwaìyé, poderoso orixá das moléstias e da morte, senhor dos espíritos encarnados e desencarnados e que, conforme a tradição estaria sentado sobre o corpo do Jacintho, reivindicando seus direitos.
A dança da Mamãe foi acompanhada, em circulo fechado, apenas pelas filhas de santo órfãs. O Antonio Manuel não soube explicar a origem desta tradição nas cerimônias de Axexê, mas disse que era fundamental por representar a separação entre vivos e mortos, além de responsabilizar as órfãs pelo convencimento de Omolú para colocar a alma de Jacintho aos pés de Jesus.
– Oxalá! Banha! Recitava D. Lucrécia,
– Queremos agradecer pelo espírito do Jacintho ter partido, nos livrando do mal, orai a Deus por todos nós.
Diretamente do terreiro, quase todos os presentes foram assistir a missa das sete da manhã na igreja dos jesuitas, corolário natural de uma noite de preces e esforço concentrado pela alma do Jacintho.
Apenas os ogãs responsáveis pela limpeza do terreiro teriam ficado a fim de organizar os restos da cerimônia, alguns considerados sagrados, como as penas das aves sacrificadas, e outros, como os tocos das velas que arderam a noite toda, representando a vida da alma de Jacintho e partes dos ornamentos utilizados no terreiro, seriam cuidadosamente retirados por estarem impregnados da própria morte.
Tais objetos seriam jogados no mar ou, longe da vista das mulheres e das crianças, levados para o campo santo mais próximo para serem enterrados.
O terreiro estava liberado da morte.
No retorno ao templo, sábado à tarde, limparam-se os passos dos visitantes entre a porta e o salão principal e a Mamãe e as filhas de santo entoavam na língua yorubá, cânticos de felicidade e alegria pelo retorno da vida ao “Ìyámi Agba”.

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VERDADES MENTIROSAS IV

CANDOMBLE III- A RELIGIÃO

A lei natural da adoração se cumpre em grande parte da África e até hoje, em alguns países do novo mundo que passaram pelo trauma da escravidão, através do Candomblé; palavra yorubá, capaz de sintetizar os mistérios e rituais necessários para o culto aos deuses, ou aos santos.
Os africanos adeptos do Candomblé, assim como os brasileiros, os cubanos, porto-riquenhos, haitianos e caribenhos em geral praticantes deste culto herdado da escravidão, tentam trazer os seus deuses a terra onde os possam ver e ouvir, caracterizando o trabalho mediúnico das sacerdotisas ou Ialorixás, nos templos erigidos com esta finalidade.
As mulheres praticantes são “possuídas” por um santo ou deus que é o seu patrono e guardião. Diz-se que ele “desce” na sua cabeça e a “cavalga” para posteriormente, usando o seu corpo, poder falar e dançar.
Às vezes, diz-se também que a Ialorixá é a esposa de um deus e as vezes que é seu “cavalo”. O deus, dependendo do caso, conforta, aconselha e faz exigências, mas em geral, apenas cavalga e se diverte.
Assim, compreende-se porque as sacerdotisas exercem grande influencia entre os adeptos, o porquê dos matriarcados oriundos do candomblé e o respeito devido pelas comunidades às INTERMEDIÁRIAS DOS DEUSES.
Desta forma compreende-se também, o papel secundário na hierarquia candomblecista, dos adeptos do sexo masculino. A rigor, nunca foi bem visto que os homens se deixassem cavalgar, mesmo que por um deus ou um santo, a menos que não se importem com sua virilidade. Independentemente da imagem gerada por este comportamento, recomenda-se que seu espírito deva estar sempre sóbrio e jamais atordoado ou tonto com a possessão de qualquer um dos orixás.
Até bem entrada a segunda metade do século XX, este foi o cerne da questão da homossexualidade nos templos de candomblé: alguns homens se deixavam “cavalgar” e tornavam-se sacerdotes ou babalorixás (pais de santo) ao lado das mulheres. No aconchego dos templos, vestiam saias e copiavam os modos das mulheres, dançando como elas, frequentemente superando-as em feminilidade e disposição.
Nos templos genuinamente yorubás, dificilmente isto era permitido, tanto que a Mamãe teria impedido que seu neto Jacintho fosse “feito” para sucedê-la, mesmo em detrimento dos conhecimentos por ele adquiridos na Nigéria. Muito tempo depois, a escolha de Antônio Manoel, para assumir esta responsabilidade, foi determinada de fato, pela ausência de descendentes mulheres, capazes de dar continuidade à tradição yorubá.
Acreditou-se realmente, durante muitos anos, que a dificuldade de um homem chegar a ter renome no candomblé era diretamente proporcional a sua incapacidade de “dar à luz”, isto é, seria de fato contra a sua natureza.
Os homens na tradição yorubá, financiam os terreiros, tocam os atabaques para as danças sagradas, abatem os animais para os sacrifícios e coletam as ervas necessárias para as limpas e para os banhos; porém, são preteridos para o trato com os deuses pelas suas relações com o sexo oposto.
Certamente por este motivo, é que até hoje, a prioridade absoluta na direção dos terreiros é das mulheres, admitindo-se a conveniência de que só deverão ser ialorixás-sacerdotisas-madrinhas-chefes-mães, apenas quando idosas ou quando totalmente libertas de desejo.
A partir do fim da década de 1960, segundo estudos sociológicos mais recentes, foi possível admitir, em função da própria evolução dos costumes, notadamente de uma maior liberalidade social sobre estas questões, que os babalorixás não fossem necessariamente homossexuais, porém, o preconceito parece permanecer, não só alimentado pelo comportamento dos próprios pais de santo, mas principalmente pela crença tradicional de que o sangue quente dos homens seria, em principio, ofensivo para os deuses.
A Mamãe nos conta Antônio, ficava muito contrariada pela quebra das tradições.
– Quando se aposentou, já estava muito velha, na verdade perdeu a vontade, ficou muito revoltada pelas deformações que suas próprias “afilhadas” faziam da religião. Incomodava-se com a falta de respeito para com os deuses africanos, dizia que não sabiam dialogar com eles e certamente apenas fingiam traze-los até o terreiro do templo para dançar. Ficava horrorizada porque tentavam trazer as almas dos mortos para seus templos.
– Sacrilégio dizia, as mulheres não podem encarar os mortos e ainda por cima inquiri-los, isto é coisa de homens, não há nenhuma pureza nisso.
– Estas moças só querem fazer dinheiro e arranjar homem, são muito jovens para se dedicar aos deuses, o sangue ainda lhes corre quente pelas veias.
– Estão permitindo que os homens dancem para os deuses. Qual a dignidade e a virilidade de quem se deixa cavalgar? perguntava D. Lucrécia.
– E esses novos templos de nação de caboclo, meu deus, ninguém percebe a mistura totalmente indesejável entre deuses africanos e espíritos de jovens indígenas brasileiros, mesmo que se proponham ajudar aos mais aflitos?
As lágrimas do Antonio neste ponto da sua história, rolavam sem nenhum barulho pelo rosto, geradas apenas por um sincero e profundo sentimento.
Aquele gigante se desculpava sem parar, admitia dançar para os deuses e principalmente gostar, a ponto de imitar, travestido, os trejeitos das filhas de santo no terreiro.
– Eu não sei se a Mamãe aprovaria, mas as vezes eu sinto que é ela quem dança com meu corpo. Ela, nos meus sonhos, sorri e eu, por instantes, sinto desaparecer qualquer vestígio de culpa. Antônio, numa bipolaridade evidente, alternava inconscientemente estados de ânimo de euforia, prevalecendo seu orgulho yorubá e de depressão aguda, se abandonando ao pranto catártico da culpa.
De fato, em função destas tradições quase inflexíveis de submissão exclusiva aos deuses africanos, as Ialorixás e em geral as mulheres do candomblé, evitam o casamento. A Mamãe, por exemplo, e mais recentemente a Menininha do Gantois na Bahia, nunca se casaram oficialmente. “Teriam perdido muito, porque de acordo com as leis brasileiras, se tratando de país católico e latino, a esposa deve submeter-se inteiramente à autoridade do marido. Quão incompatível é isto com as crenças e a organização do candomblé. Quão inconcebível resulta para a dominadora autoridade feminina e para a poderosa tendência matriarcal de submissão exclusiva às divindades”. (*)

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(*) Landes, Ruth. “A Cidade das Mulheres” / 1947 / Pesquisa Antropológica / Rio de Janeiro e Salvador–Bahia-1ª Tradução ao português, Editora Civilização Brasileira / 1967

Crianças e homens são bem-vindos para as mulheres do candomblé. São a sua família e elas cuidam deles com a mesma boa vontade de quem cuida do seu deus; mas em troca, exigem liberdade para si.
“A maioria destas mulheres sonha com um amante que possa oferecer auxilio financeiro pelo menos até o ponto de aliviá-la da contínua preocupação econômica; mas certamente, não pensa numa união legal. O casamento significa outro mundo, algo assim como ser branco: dá prestigio, mas não necessariamente alegria de viver”, nos disse Ruth Landes.
Seria certamente uma verdade do pós-guerra. Hoje, talvez uma mentira.
Não sei ao certo se o conceito de “amante”, para estas mulheres, permaneceu inalterado nos últimos 60 anos. A necessidade da entrega e dedicação total às divindades permaneceu de fato inalterada; já a prática pouco ortodoxa de se manter ao lado do macho reprodutor, sem casamento, inclusive com frequência arcando com o próprio sustento, parece uma verdade mentirosa.
Neste sentido, os velhos africanos fazem questão de lembrar sempre que possível, que uma sacerdotisa deveria ser tão velha que não pudesse mais se lembrar das paixões da juventude, mas é fato evidente que a escolha das sucessoras recai entre a prole gerada pelas próprias matriarcas, com ou sem união estável.
“Fazer” uma Mãe de Santo, Sacerdotisa ou Ialorixá à usança yorubá é tarefa árdua que envolve plena colaboração da escolhida, submissão (humildade e obediência irrestritas), resignação, paciência, tenacidade e consciência clara das responsabilidades sobre a sagrada missão que deverá desenvolver pelo resto da vida.
A futura sacerdotisa deverá abandonar-se inteiramente a rigorosa formação que costuma demorar, no mínimo, sete anos. Sua alma é de fato posta em cativeiro e ao fim deste período, sua família terá que resgatá-la. Ela renasce então e é iniciada a contagem da idade que tem de “santo”. Mas na verdade conta muito a hereditariedade, a capacidade de liderança, a disciplina de cada uma e finalmente a mediunidade que no inicio poderá até, ser inconsciente. A intuição orienta no inicio e a experiência acaba suprindo qualquer falha que eventualmente possa ter surgido no desenvolvimento mediúnico. Tanto é assim que com mais frequência do que seria desejável, o animismo se manifesta, sendo contornado na maioria das vezes pela experiência na prática do reconhecimento das fraquezas humanas e do tipo de ajuda necessária para cada uma delas.
Após as comemorações dos seus 90 anos no fim do século XIX, a Mamãe parecia ter perdido a felicidade, o prazer e a satisfação que experimentava na prática religiosa do candomblé. Desconfiava do comportamento relaxado das novas gerações. As filhas de santo pareciam não mais se importar com as responsabilidades herdadas dos antepassados e inclusive, não mais disfarçavam o seu comportamento, transmitindo certa imagem de cinismo e de deboche para com as coisas outrora sagradas.
Certa feita, que ficou marcada na memória dos presentes, D. Lucrécia ordenou com leve gesto que os atabaques iniciassem a “puxada” e se retirou a quarto contiguo no fundo do terreiro, a fim de analisar os dilegún (*). Talvez, apenas no intuito de confirmar o desejo divino da sua retirada da vida ativa do terreiro, como desconfiavam os mais próximos; talvez, perante as irregularidades por ela constatadas, ou apenas para tentar visualizar o melhor caminho para a volta à normalidade.

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(*) Jogo de Búzios dispostos aos pares em diversos tamanhos para funções específicas.

Parecia triste, contrastando com a algaravia reinante no templo, mas sempre lúcida, teria dito para Agnès, a bisneta e sucessora:
– Candomblé é uma grande responsabilidade minha filha, não sei até quando será possível manter a minha posição. Nós Mães, somos como as casas reais, passamos o nosso cargo apenas a pessoas da família e de preferência, às mulheres.
A mesa estava sempre pronta. Os dilegún para adivinhação, arrumados bis a bis, machos e fêmeas; a maza filtrada para uso ritual (*) permanecia acondicionada em “quartinha” de barro que a mantinha sempre fresca (**). A toalha de Oxalá que facilitava a visão do futuro era impecavelmente branca e engomada, realçando o notável trabalho de bordado, feito com amor e paciência pelas mulheres do terreiro.
O preparo da Mamãe para a consulta dos búzios teria sido iniciado quarenta e oito horas antes. Na verdade, Ela não tinha a preocupação do preparo, sua vida, sua alimentação e seu comportamento lhe garantiam o estado ideal e constante para o exercício de qualquer uma das suas responsabilidades no terreiro. Mesmo assim, na noite anterior, costumava purificar o seu corpo em banho demorado com ervas aromáticas e sal grosso.
Quando jovem evitava as relações sexuais e à Agnès seu braço direito, confidenciava que dada sua seriedade e a importância das suas funções na comunidade, os patrões respeitavam o seu retiro espiritual. No fundo do seu coração sabia que aquilo era uma mentira, que teria gostado que efetivamente fosse respeito, mas na verdade, era o medo incomensurável do castigo divino que ela própria infundia nos sempre devassos e libertinos condes e viscondes que se revezavam na senzala.
No absoluto, evitava fumo e bebidas alcoólicas, gorduras em geral e carnes de qualquer espécie. A tradicional “feijoada” era degustada com moderação, apenas em datas comemorativas. Consumia com prazer, de quando em vez, cigarrilhas ofertadas pelo Sr. Conde, compradas especialmente para ela na Tabacaria Africana, no Largo do Paço.
A limpeza dos búzios e das contas era feita sobre a mesa, com toalha felpuda e absorvente. A Mamãe costumava esfregar algumas notas de baixa denominação, ao longo dos braços e das palmas das mãos, colocando-as a seguir sob as madeixas de colares, enquanto pedia para garantir o sustento e a alimentação da comunidade.
Nesta fase da cerimônia, D. Lucrécia cantava invocando as deidades da adivinhação.
Segurava paralelamente alguns búzios acima da maza, mergulhando dois deles no líquido. Sacudia a continuação as gotas sobrantes à sua esquerda e enxugava os búzios na toalha sagrada.
Concentrada, após alguns minutos que pareciam sempre eternos ao espectador, acendia uma vela de tamanho médio sobre a mesa, representando a própria vida. Antônio explicava com detalhe, que as janelas permaneciam fechadas durante a cerimônia para evitar que o vento pudesse apagar a vela. A “vida” era certamente frágil e efêmera, mas justamente por este motivo, seria necessário protege-la. Com movimentos lentos, extremamente ritualísticos, Ela colocava também sobre a mesa o colar sagrado com 22 contas de vidro parecidas com bolinhas de gude.

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(*) Água sagrada, porque dedicada a Oxalá, potável, limpa e filtrada.
Aguanile, como conhecida no Caribe, agua benta no catolicismo, ou simplesmente agua fluidificada como denominada por Kardec e de uso comum no espiritismo brasileiro, inclusive como “santo remédio”.
(**) Recipiente com tampa, para líquidos.

As contas de um branco leitoso e opaco eram destinadas a Oxalá, as translúcidas, cor de pérola, ofertadas a Iemanjá, as de cor azul brilhante dedicadas a Oxoce e finalmente, as contas de ouro pertenciam a Oxum. Todas elas “fechadas” num mesmo fio, por três contas azul-escuro de Ogum, deus das estradas, das disputas e das guerras.
Conforme a tradição oral, estas contas preciosas e heráldicas dos deuses, teriam coberto todo o caminho desde a África.
Depois de uma prece silenciosa capaz de transformar o seu rosto e sua mirada, numa primeira tentativa de aproximação com o passado, a Mamãe atirou os búzios à sua frente. Observou com atenção, a ponto de arrepiar alguns dos presentes menos acostumados com o ritual e a seguir, colocando um búzio comprido de excepcional beleza em posição de apontar, estendeu no meio da mesa, uma corrente grossa de prata de onde pendia uma figa de madeira de jacarandá, tradicional símbolo de bom augúrio.
O olhar distante, sem conseguir ver nada do que acontecia ao seu redor, caracterizava o típico trance mediúnico que marcava as atividades da velha. Literalmente, sua mente vagava no além à procura da inspiração e intuição necessárias à correta leitura do dilegún.
Balbuciava. Em sons ininteligíveis, orava e recitava. Afirmava e questionava. Seus olhos reviravam à procura de respostas. Sorria de quando em vez e transmitia vibrações guturais assustadoras, mesmo para os entendidos. Podia adivinhar-se que alguma coisa estava para acontecer. Algo de importante se esperava daquele cerimonial tão marcante e significativo.
Demorou algum tempo para que D. Lucrécia pudesse se recompor, o trance mediúnico teria passado, porém continuava concentrada e com determinação jogou os búzios mais uma vez, e outra e mais uma tentativa. Parecia procurar, escarafunchar mesmo à procura de respostas.
Levantou a cabeça com ar de preocupação e pediu para a bisneta se aproximar. Determinou a preparação imediata do terreiro para realização de um “padê” (*) e anunciou a presença de Omolú (**).
– Receio a contaminação dos presentes, falou em tom audível para os mais próximos.
Agnès, habituada a este tipo de emergências espirituais, coordenou de imediato as ações das filhas de santo. Teriam que expulsar os exús presentes no terreiro e entre mais rápido melhor.
Todas de pés descalços iniciaram a dança numa roda aberta, tanto quanto a largura do salão o permitia, numa coreografia que parecia ensaiada. Harmônica e cadenciada e, em que pese o seu caráter religioso, muito sensual, mostrava-se extremamente bela.
Curiosamente, para afastar os exús seria necessário agradá-los primeiro. Num jogo pseudo psicológico, verdadeira “expertise”, foram colocadas oferendas a partir do centro da roda de dança e sempre acompanhando o ritmo dos atabaques iam sendo espalhadas gradativamente, colocando-as cada vez mais afastadas do terreiro, forçando os exús a saírem do salão à sua procura.

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(*) Cerimônia para afastamento dos exús eventualmente presentes num terreiro; demônios cuja presença simultânea com os deuses no salão é totalmente desaconselhável.
(**) Deidade representativa das doenças, identificada no sincretismo católico com São Lázaro e São Roque.

Era necessário purificar o recinto, mesmo que a “limpa” (física e espiritual) demora-se o resto da noite. Nada poderia ser feito com sucesso sem estas atividades de apoio.
A Mamãe acompanhava de longe os trabalhos coordenados pela bisneta e passeava pelo salão abençoando cada um dos presentes, muitos deles sem entender a movimentação que de surpresa, agitava o terreiro.
As mulheres da tradição yorubá aprendiam a cair em transe somente por ordem da madrinha, revelando a vontade do seu deus para o atendimento de casos específicos.
A Mamãe ordenava apenas com o olhar e as filhas, uma a uma, caiam em trance, revelando as respostas solicitadas para desanuviar a pesada ambiência existente naquele momento.
Aparentemente ao acaso, uma das filhas de santo, saindo sem muito equilíbrio da dança de roda, parecia tentar abraçar um dos presentes. Assustado ele teria recuado de imediato, sem saber que se tratava apenas de uma forma de escolha, de identificação de alguém cujas cargas negativas, normalmente decorrentes de ódio, inveja ou sentimentos de vingança acumulados, teriam que passar por tratamento espiritual específico, nem sempre desejado ou consentido pelo próprio consulente, porém necessário ao restabelecimento da ambiencia para a realização dos trabalhos da casa.
A D. Lucrécia certamente sabia da ocorrência desta presença perturbadora na sua casa, mesmo assim, sem nenhuma pressa, dirigiu-se até o fundo do salão e sentou-se no trono de madeira de lei para poder dominar a cena. Atendeu ainda alguns consulentes e abraçava todos aqueles que se aproximavam para ouvir a sua palavra ou recebendo a sua energia e orientação.
Quando achou que a ambiência do salão já era adequada, pediu para que aquele frequentador se aproximasse. Com o melhor dos seus sorrisos, como era do seu costume, lhe disse:
– Que Oxalá te abençoe meu filho; sejas bem-vindo a esta casa, te recebemos de braços e coração abertos.
O consulente ajoelhou-se profundamente sensibilizado pelas boas-vindas, mas acima de tudo pela escolha de que teria sido objeto. Seus olhos marejados e o tremor inconsciente das suas mãos transmitiam uma clara noção da angustia contida no seu peito.
No conseguia articular as palavras, tamanha a perturbação que experimentava.
– Abre teu coração meu filho. Sei que estas aflito, mas nesta casa, em que a presença de Oxum (*) e de Oxalá (**) está garantida, receberás tudo aquilo de que precisas para exercer na plenitude a vontade do espírito, falou a Mamãe.
Tratava-se de homem simples, certamente um trabalhador rural. Chapéu de palha retorcido por mãos calejadas e nervosas, lampinho, apenas uma pelugem nos cantos da boca, junto às orelhas e na ponta do queixo; cabelo grisalho, liso e desarrumado no formato interno do chapéu, pele rugosa castigada por um sol inclemente. Seu lenço vermelho mitigava suor e lágrimas. Sua sandália franciscana deixava ver unhas grandes e grossas, além de calcanhares rachados pela secura do seu ambiente de trabalho.
Falava baixo, porém aos borbotões, como querendo falar tudo de uma só vez, precisando desabafar, tirar aquele peso de cima que parecia realmente lhe mortificar.

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(*) Oxum = Orixá feminino cuja encarnação no Brasil é a agua doce em geral; é dada em alguns mitos, como filha de Aganjú ou de Oxaguiá e como mulher de Ifá.
(**) Oxalá = Jesuscristo.

Agnès traduzia para a Mamãe aquele “dialeto” rural cujo sotaque o tornava quase incompreensível:
– Mãe santa, dizia aquele coração aflito, não tenho tido paz, minhas filhas estão doentes, a colheita de milho está praticamente perdida pela falta de chuva, sou meeiro e ainda tenho que buscar o aluguel da terra. Paguei à Mãe Clotilde para fazer uma mandinga (*) pra Oxóssi (**) e me prometeu dar jeito, mas até agora nada. Estou realmente desesperado, repetia o consulente sem parar de soluçar.
– Não tenho dinheiro, mas o que a senhora pedir eu arranjo para poder melhorar a minha vida, sou capaz de qualquer coisa para salvar minhas filhas, propôs aquele coitado sem saber ao certo, o profundo impacto que suas palavras tinham causado no coração da Mamãe.
– Ela me disse que teria que fazer um despacho pra me livrar da pessoa que estaria me perturbando, concluiu.
Para Mamãe as palavras daquele pobre homem tinham a força da tempestade. Caíram como brasas no seu coração.
De repente confirma, porque evidente que sabia há muito tempo, pelo desespero daquele coitado perturbado pela dor, que a Clotilde, sua filha Clotilde, “feita” por Ela para o candomblé na mais pura tradição yorubá, caracterizava, pelo seu comportamento, uma dissidência incontornável.
Ordenar um despacho era realmente muito estranho, era magia negra; cobrar por isso parecia uma agressão, não para ela, mas para com os deuses africanos; mas ter a ousadia de transformar um templo yorubá em casa de espíritos caboclos constituía a maior falta de respeito de que tinha noticia, um verdadeiro deboche, uma afronta inadmissível.
Por outro lado, a proposta financeira daquela criatura desesperada, calou fundo na alma da Mamãe. Um verdadeiro tabefe no rosto da mãe anciã. EGUNGUM (***)
Fazendo um esforço para que ele não percebesse a profunda decepção de que tinha sido objeto pelas palavras que acabara de ouvir, Ela disse:
– Saiba o Senhor que eu sou mãe do culto yorubá e, portanto, amiga de todos, mas certamente não uma feiticeira.
– Mantenho relações com os deuses, não com o diabo. Com certeza o senhor compreende. – Posso ajudar a curar suas doenças, posso ajudar a alcançar a sua felicidade por todos os meios indicados pelos deuses, mas não me peça para trabalhar para o diabo, simplesmente não conseguiria.

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(*) Mandinga – Feitiço. Pratica do grupo etno linguístico formado pelo cruzamento de negros sudaneses com elementos berberes e etiópicos, que habitam o alto Senegal, o alto Níger e a costa ocidental da África; mandês, mandeus (remanescente da desagregação do antigo império máli ou madem, criou fama como povo muito afeito à prática da feitiçaria).
(**) Na Umbanda o orixá Oxóssi é identificado como São Cristovão, patrono da linha dos caboclos, caçador por excelência, regente do polo positivo da linha do conhecimento.
Se contrapõe à orixá Obá, regente do polo negativo.
(***) Egungum = A morte

A sua mediunidade e principalmente a sua experiência sobre a natureza humana lhe mostravam claramente a problemática do consulente. Mas naquele momento não conseguia visualizar nada além da enorme debacle que representava a queda vertiginosa dos seus princípios, dos seus castelos, dos seus sonhos, do seu império interior. Seus conselhos eram sempre orientados no sentido do bem, do bom senso e da ajuda mútua, mas neste caso a Mamãe, pela primeira vez, não conseguia superar a profunda decepção que as palavras daquele homem, lhe teriam causado e apenas orava. Impunha suas mãos sobre aquela criatura sem culpa e pedia para Oxalá a força de que ele precisava para superar as suas limitações.
Agnès, conhecendo a Mamãe, aproximou-se e lhe disse ao pé do ouvido:
– Minha mãe, a senhora sabe os motivos da Clotilde e de todas as outras que decidiram receber nos seus templos os espíritos dos caboclos. Elas sabem que não são deuses, assim os consideram, como uma homenagem a sua boa vontade, a seu interesse na caridade e na ajuda mútua (*).
– São apenas antigos índios brasileiros Mamãe e não vem dos africanos yorubás ou do Congo. São apenas espíritos simples de antigos índios mortos há centenas de anos que vem da mata para ajudar. Em primeiro lugar elas louvam os deuses yorubás porque seria impossível deixa-los de lado, mas depois “salvam” os caboclos, porque eles foram os primeiros donos da terra em que vivemos.
– Eles, na verdade, são agora seus guias, vagando no ar e na terra. Eles as protegem.
A Mamãe parecia não escutar nada, a confirmação destas irregularidades a prostraram.
Suas filhas faziam mandingas em troca de dinheiro, inclusive invocando os protetores caboclos, contra todas as normas e tradições yorubás.
Elas não se importam com as pessoas, nem com os deuses, dizia a Mamãe.
Agnès confirmara estes fatos como a grande desilusão da Mamãe, teria sido, na verdade, o que motivou a sua aposentadoria imediata, contra o desejo de toda a comunidade.
– Ela achou que o problema não era o fato de alguém ter feito aquilo, por mais grave que pudesse parecer, mas tê-lo feito porque ela tornara-se incapaz de manter a disciplina e o respeito aos deuses a aos seus antepassados.
Teria perdido sua capacidade mediúnica.
Sua missão estava terminada.

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(*) As 12 mães de santo dissidentes a que Agnès se referia, inclusive a Clotilde e que tinham sido “feitas” pela Mamãe, eram: Balbina, Benedicta, Carlota, Epifania, Eufrazia, Etelvina, Flauzina, Isolina, Januaria, Maria Ignacia e Sabina.

CONTINUA………..

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O NADA

Silvio Oppenheim Geométrico Azul 90x80cm. R$5,500,00 Em julho de 2010, talvez sem NADA para fazer, me ocorreu pensar no NADA. Não consegui uma abstração total, mas extraído dos meus mais remotos sonhos, acabei identificado o tal do NADA com a dor (nem Freud explica).
Todavia, em 30 de setembro de 2013, por influência direta do Caio Meira, decidi reciclar o poema à guisa de VILLANELLA, dando uma nova métrica e principalmente mudando uma das famílias de palavras, conseguindo o sentido que queria. O resultado é para vocês julgarem:

O NADA

É enjôo, não é nada, não é nada,
tal vez uma dor, mais que indigesta.
É o sumo que resta, cospe, é a certa.

Ele não existe nada acrescenta,
talvez um lamento, uma fresta.
É pensamento? Não, é o que resta, é fim de festa.

É buraco, largo e profundo, não é nada,
não fica, não molha, não fura,
não enruga nem entorta, respira, mais nada.

Por ele se passa, não xinga nem morde,
as vezes se arrasta, sem dores, sem penas.
Depende da gente, sem alma, sem drama,
não tem consciência, não tem ambição, é apenas o nada.

HB
30/09/13

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VERDADES MENTIROSAS III

Pinoccio II. – O CERNE
– A música sempre me enlouqueceu, em todos os sentidos.
– Quando criança tinha pavor; aqueles atabaques me faziam chorar e por incrível que possa parecer ainda me lembro dos afagos da Mamãe pra me consolar, da sua saia rodada, da sua voz rouca, porém meiga e do seu colo poderoso cheio de colares.
– Ainda me lembro do seu cheiro agridoce, mistura indefinível de ervas, de ternura e de flor de laranjeira-da-China.
– Quando digo que a Mamãe era avó da minha avó ninguém acredita.
– Morreu quando eu tinha sete anos, em 1907.
– Ainda morávamos na Chácara da Floresta, no Morro do Castelo.
– Era uma casinha bem humilde, entendeu? pobre mesmo.
– Quando passávamos pela igreja de São Sebastião eu já sabia que iria levar um cascudo da velha “pra deixar de ser curioso”; só saímos de lá quando do arrasamento do morro, eu já era cabo do exército, lá pelos meus vinte e poucos anos.
– Demorei em compreender o significado daquela música primitiva, monótona, repetitiva, mas que mexia muito comigo; anos se passaram para que pudesse perceber a sua beleza e a sua transcendência, tornou-se parte de mim, meu acesso garantido ao mundo espiritual, minha fascinação.
– Aprendi a cantar e tinha enorme prazer quando acompanhava meu avô naquelas toadas vindas das costas africanas, verdadeiros lamentos do tempo da escravidão, a própria história musicada da família.
Antônio Manoel, tataraneto da Mamãe, aprendeu também com a tradição oral dos antepassados africanos e posso dizer que se deliciava ao contar esta história familiar ouvida da avó e do próprio pai. Ria e chorava, alternadamente. Alegrava-se e se arrependia em questão de minutos, exalava por cada poro do seu corpo o profundo orgulho da ancestralidade. Se fosse hoje, sua camiseta exibiria os dizeres: 100% negro (uma verdade mentirosa, porque certamente o avô do Antonio já era mulato, mesmo odiando o próprio pai).
Era muito forte, um verdadeiro leão de chácara, aos meus olhos de menino, um gigante. Calmo, muito calmo, talvez pela consciência plena de sua força, sabia que suas mãos enormes, muito antes do Karaté e do Krav-Magá chegarem por estas bandas, já deveriam ter sido registradas na polícia como armas letais. Sua calma, sua tolerância e sua ternura eram consequência da sua postura e da sua força espiritual.
Nunca casou, era introvertido e falava apenas quando solicitado. Um verdadeiro príncipe, herdeiro da liderança religiosa da própria mãe, bisneta da Mamãe.
Amava as crianças e era capaz de perder o tempo que fosse necessário, apenas para resgatar qualquer gatinho aflito e incapaz de descer de uma árvore mais desafiadora.
Verdadeiro museu ambulante, Antônio Manoel guardava qualquer objeto: livro, recorte de jornal, fotografia, brinquedo (tinha uma coleção de bonecas), roupas, móveis, cortinas, baús, caixas e caixinhas, próprios e de terceiros, porque absolutamente incapaz de jogar nada fora. Um dia me disse que aquilo tudo era sua própria vida, sua memória, seus sonhos e seus cheiros, lamentava apenas não poder colocar tudo no caixão.
Lucrécia, a Mamãe, contava Antônio, conforme registrado na sua certidão de óbito, era solteira, africana, escrava alforriada pelos Condes de Calheta, analfabeta, e aparentemente muito feliz, do contrario não teria vivido tanto, naquela época.
Descendente de príncipes yorubás, jamais perdeu a nobreza da sua origem.
Quando da abolição já tinha 82 anos de idade e em 20 de outubro de 1907, em pleno século XX, falecia, com 101 anos, na 26ª enfermaria da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. (*)
Carioca bicentenária, gostaríamos de enfatizar, em classificação genealógica padrão, sem registro de nascimento, talvez apenas um garrancho com bico de pena nos cadernos pautados de “controle de posses” dos Borges de Oliveira e Souza; deixou 9 filhos, 32 netos, 49 bisnetos, um bando de tataranetos, entre os quais o Antônio Manoel e um sem fim de descendentes diretos, hoje muitos, provavelmente sexagenários como eu.
Sendo solteira, poderíamos tranquilamente admitir que as relações dos Condes com a turma da senzala, acompanhando a tradição de prepotência dos senhores de engenho, eram uma verdade. Seus filhos não seriam de “qualidade”, outra verdade, mas poderiam trabalhar no “serviço interno” e quem sabe até apreender a ler (uma esperança e provavelmente uma mentira, aprender a ler era absolutamente impensável para os escravos).
O estupro sistemático era a grande verdade, a crueldade e o cinismo a tônica destas relações.
Os estudos sociais do tempo da escravidão, devidamente esmiuçados pelo grande Gilberto Freire e por muitos outros especialistas das relações de gênero, nos mostram este comportamento como uma verdadeira necessidade no Novo Mundo, em que os “senhores”, controlando a sociedade como um todo, deixavam prevalecer seus preconceitos de fundo sexual, privilegiando, mesmo contra a oposição de suas mulheres (às vezes ao preço de tragédia) a importância do matriarcado entre os escravos, em aberta competição com os machos negros, submetidos também, pela posse de suas mulheres.
Concubinato, herança inter familiar e estima racial, tornaram-se produto destas relações, o que nos faz pensar que os privilégios obtidos pela Lucrécia na sua ascensão no “serviço interno” da família Borges e inclusive e fundamentalmente a liberdade para a prática dos “Cultos Yorubás” como grande sacerdotisa, deveram-se à forte ligação que deve ter mantido com o bisavô de Dom Carlos, Conde de Calheta e último herdeiro dos Borges de Oliveira e Souza, quando da abolição.
Como sexagenário e também Borges, até gostaria de integrar a quinta geração desta família de longevos guerreiros yorubás, mas por enquanto, minha ambição, fica circunscrita ao resgate da genealogia familiar, à tentativa de descobrir a receita da força e da felicidade da Lucrécia e a firme intenção de homenagear ao literalmente grande Antônio Manoel, detentor da tradição oral e da história da família Borges de Oliveira e Souza.

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(*) A Santa Casa de Misericórdia à época localizada a beira mar, na rua Santa Luzia, pertencia ao “Districto de São José” que, por sua vez, representava a antiga área central do Rio de Janeiro, envolvendo, a partir da orla (Av. Beira Mar e Santa Luzia) e no sentido anti-horário, o Passeio Público, o “Aqueducto de Sta. Teresa”, o morro de Santo Antônio e seguindo aproximadamente a trajetória da rua da Assembleia até a Praça Quinze de Novembro (esclusive) o Morro do Castello, o Arsenal da Marinha e a antiga Faculdade de Medicina.

Mulher forte e digna que merece a suprema homenagem dos seus descendentes e o eterno agradecimento de quem aprendeu com seu exemplo, a cordura, a paciência, a benevolência e o perdão, a Mamãe representou por quase um século, a união e a força do povo yorubá no Brasil, das suas tradições, das suas manifestações culturais e religiosas, da sua transcendência e da sua importância na formação deste País.
Sem dia marcado para acontecer, sem feriado, com ou sem consciência negra, sem festas nem rojões, apenas deixando vir à tona o profundo agradecimento por ter-nos legado a sua alegria de viver; o orgulho de fazer parte da sua descendência é a única e verdadeira herança do (hoje) cobiçado título de “Bons Brasileiros”.
Doido para resgatar a história e o carma da matriarca, sacaneada desde pequena até no nome, corro para consultar o recenseamento feito em 1906, no Rio de Janeiro, ainda sob a regência do Engenheiro Francisco Pereira Passos, à época prefeito da cidade e me deparo com o registro de Dona Lucrécia Borges, nascida em 1806, dois anos antes da chegada da Família Real Portuguesa.
Por muitos anos sonhei com a história da velha contada pelo Antônio Manoel, o avô que nunca tive. Muitos anos sem conseguir explicar para meus botões (e para o mundo) o grande paradoxo de ser escrava e feliz; de ser subjugada e matriarca, de ser vilipendiada, porém conselheira e apoio firme ao longo de quatro gerações, de senhores, de escravos e de cidadãos brasileiros livres e libertos.
Alguém que nasceu escrava, mas alforriada por méritos próprios, após uma vida de trabalho incansável e profícuo, formando, na tempera yorubá várias gerações, não merecia ser recenseada como “africana”, não por vergonha da origem que nunca ocultou, mas por ser sinônimo de raça, de segregação e de preconceito explícito.
Nascida em solo brasileiro manifestava com orgulho sua nacionalidade.
Herdou o pesado fardo da negritude em tempo de escravidão, a consequente necessidade de amar os seus próprios verdugos e o sobrenome dos Borges, família aristocrata, escravocrata e certamente com um péssimo sentido do humor, a ponto de batizá-la como Lucrécia Borges (obviamente, sabendo que jamais poderia desconfiar do trocadilho).
Em fins do XIX tentaram convence-la a voltar para Daomé. Afinal era livre, como libertos já eram filhos e netos, poderia se tornar uma “Agudá” com o prestigio que isto implicava, porém, velha demais para cruzar o Atlântico, sempre recusou. Só conhecia a terra dos ancestres pelas histórias que o pai lhe contava. A menção de entrar num navio lhe trazia lembranças e vômitos, apenas de ouvir falar. Sentia-se realizada pelo trabalho ininterrupto desenvolvido desde criança e se orgulhava de ter liderado alguns grupos religiosos que mantinham ainda as mais puras tradições apreendidas da própria mãe.
Levou consigo a consciência da transcendência do seu trabalho e a importância do Candomblé no Brasil da virada do século, apesar dos já evidentes desvios na formação das sacerdotisas (no descarado exercício da feitiçaria) e notadamente na prática, cada vez mais difundida, da cobrança pecuniária pela ajuda moral prestada aos membros da comunidade.
Era apaixonada por SM o Seu Dom Pedro, confiava nele, na sua seriedade de propósitos (se isto fazia algum sentido para ela), na sua figura branca, imponente e barbuda, de quase dois metros de altura e olhos azuis.
Nem a lei do ventre livre nem a lei áurea fizeram qualquer diferença para ela; tarde de mais para se alegrar. As figuras da princesa Isabel e do Conde D’eu não lhe eram simpáticas e fora D. Pedro; a monarquia, e em geral as “autoridades”, inclusive e principalmente a saga dos Condes de Calheta, lhe eram desprezíveis. Alegrou-se sim, pelos filhos e netos, se angustiava apenas com o futuro deles, sem terra pra cultivar, sem ter apreendido nunca a ler e a escrever e principalmente, dizia, porque nem sequer poderiam mais ser escravos; tal o orgulho que sentia pela missão realizada nesta condição.
Os Borges em nada diferiam da nojenta burguesia da época, a mesma de hoje, talvez, apenas, menos estratificada; eventualmente mais radical? Certamente com as mesmas preocupações:
-Quem vai cuidar das plantações?
-E do serviço doméstico?
-Quem vai tomar conta das vacas? -Afinal, quem vai trabalhar? Naquela casa só os escravos trabalhavam, como de resto em todas as casas da burguesia.
-Quem vai tomar conta dos cavalos? e das crianças?
-Quem vai amamentar a filha dos Condes?
O senhor Conde Dom Carlos Borges de Oliveira e Souza, o patriarca da família à época, botava fogo pelas ventas. Carrancudo, o próprio inventor do autoritarismo e da crueldade (dizem que superava em sanha e maquiavelismo os próprios ancestrais) passou vários anos de mau humor, sua fortuna se esvaia junto com o poder, a pompa e a circunstância. O navio afundava devagar, os ratos desembarcavam um a um.
Tudo pro beleléu, menos a Lucrécia, a mãe preta de toda a linhagem dos Borges de Oliveira e Souza e parte da sua descendência que nunca conseguiu abandonar aquela mulher, pilar de pretos e brancos numa hora dessas. A matriarca adredemente formada para acontecer. A mulher que, voltando a mais pura tradição, reassumia a preponderância do sexo feminino na vida tribal, enfrentando o mundo dos homens que mais uma vez ruía a olhos vistos.
A velha se agigantava. Gradativamente se tornava cada vez mais indispensável; não mais pelo vigor físico, mas pela autoridade, pela sua presença, pela sua capacidade de mando e de controle sobre aqueles cujo medo de enfrentar a vida fora da fazenda, os mantinha agrupados entorno da sua saia. Controlava a turma pelo temor a Deus e pelo estômago. Suas predições mediúnicas eram fatais; seu pirê de inhame e seus acaçás e akarás, afrodisíacos. (*)
Não eram mais “senhores” e “escravos”; continuavam juntos formando uma pequena comunidade, apenas na tentativa da sobrevivência diária.
Com o cultivo de subsistência, mal ou bem tinham comida, leite, ovos e às vezes queijo para todos, carne suína e frango de quando em vez.
Muitos querendo saquear, poucos ou ninguém a fim de trabalhar com seriedade.
O Conde fazia contas o dia inteiro, talvez na esperança de salvar alguma coisa da falência total em que se encontrava. Já tinha vendido o que era possível e muita coisa perdeu para o Estado, para os credores e para os agiotas de ocasião.
Sua influencia na corte, herdada do bisavô, não mais abria porta alguma. D. Pedro conhecia perfeitamente os escravocratas e especialmente aqueles que, em cima do muro, tentavam agradar, na esperança de se perpetuarem no seu “statu quo” tacanho e desumano.
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(*) ACAÇÁ: Bolinho africano, muito perfumado, ainda popular na Bahia, feito de farinha de arroz ou de milho, cozido em ponto de gelatina e envolvido ainda quente, em folhas de bananeira.
AKARÁ: Acarajé original, como feito nas costas africanas, “quente”, frito com pimenta de cheiro.

As comemorações pela abolição pareciam não acabar nunca, a impressão que dava é que ninguém estava preocupado com coisa alguma. O futuro não existia; se vivia apenas o presente; o presente da euforia, da liberdade, da emancipação ainda incompreendida.
Era apenas a necessidade de consolidar uma lei que, intuitivamente, não poderia dar errado. Tinha que pegar; não haveria tempo para se arrepender, era necessário continuar comemorando até ninguém poder esquecer que a abolição tinha sido de fato proclamada.
A mãe do Antônio Manuel, Dona Agnès, tinha-se tornado o braço forte da bisavó. Manteve o matriarcado, rompendo com os tabus e preconceitos de mundo machista em que vivia.
Lutando sempre contra as tradicionais imposições dos antigos escravocratas que, mesmo sem mais poder sobre os ex-escravos, tentavam lucrar a qualquer custo, posto que ainda donos das terras de onde era tirado o sustento daqueles que optaram por permanecer na propriedade. Quantos e quantos permaneceram numa escravidão velada, trabalhando ainda por anos a fio, graciosamente, em troca do sustento, porém, sofrendo as arbitrariedades e os caprichos daqueles a quem serviam.
Quantas crianças negras, ainda hoje, são “adotadas” legalmente, ou submetidas sob a égide do apadrinhamento para, com aquela pele de cordeiro, com aquela imagem de bondade e integração, estes novos “senhores sem gênio” conseguirem a servidão a custo zero.
Por muito tempo, após a abolição, longe ainda parecia a liberdade dos escravos.
Muito trabalho ainda teriam os abolicionistas pela frente para desmontar de vez o que Luís Anselmo da Fonseca chamou em 1887 de “Instituição Criminosa e Aviltante, que martiriza, há mais de três séculos suas pobres vítimas”. Lembrando os instrumentos e os procedimentos à época em vigor como o AZORRAGUE, a PALMATÓRIA, a GARGALHEIRA, a PÉGA, a CORRENTE, a CORDA DE SEDENHO, o TRONCO, o VIRA-MUNDO, o FERRO EM BRASA, o COLETE DE COURO, os ANJINHOS, o COLAR COM GANCHO, a CAMPAINHA, as URTIGAS, as NAVALHADAS COM POSTERIOR SALGADURA DAS INCISÕES, o SUPLÍCIO DOS INSETOS, a RODA D’ÁGUA, a FRATURA DOS DENTES À GOLPES DE MARTELO, a CASTRAÇÃO, a AMPUTAÇÃO DE SEIOS, em fim, o ASSASSINATO em suas formas mais cruéis e desumanas e principalmente, a mentalidade e os instintos predominantes de quem ainda se comprazia no mais primitivo estado de barbárie da espécie humana.
Antônio chamava sua tataravó de “mamãe” sem saber o porquê, diz que assim era conhecida na comunidade desde que assumiu o terreiro do “Ìyámi Agba” (*) fundado pela mãe da Lucrécia, como necessidade vital, logo após aquela viagem atroz feita desde as costas de Daomé quando fora arrancada da família. Era fundamental dar continuidade à tradição religiosa do Vale do Níger, lembra Antônio; ela abdicou da vida mundana para ser digna dos orixás regentes do terreiro.
Ele não tinha certeza, mas achava que a Mamãe, batizada como Lucrécia pelos Borges, na verdade, chamava-se SIKÈ na língua yorubá.
A Mamãe era filha de Oxúm. Deusa em todos os sentidos, orixá feminino, Nossa Senhora, a própria fertilidade, dominadora dos rios e das aguas, OYÁ, líder das mulheres, detentora do ouro e do amor.

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(*) “Ìyámi Agba”, na tradição oral dos yorubás, representa o poder das matriarcas (minha mãe anciã).

Em suma, o poder da Mamãe transcendia os limites da escravidão e estavam fundamentados no imenso amor que dedicava ao seu próximo e na paciência, que parecia infinita, herdada dos antepassados. Ela costumava dizer que sua paciência representava a confiança absoluta na justiça divina. Não desejava mal a ninguém, mas tinha certeza do pagamento, cedo ou tarde, de todos os sofrimentos infringidos aos mais fracos, aos indefesos, aos que por vontade de Olorum e Oxalá se encontravam, temporariamente, no sofrimento. Certamente o desassossego, a aflição e o tormento próprios para este tipo de algoz, jamais deixariam suas almas se retirarem em paz.
A Mamãe foi uma escrava que deu certo, dizia o velho Antônio, tinha orgulho de ter ganhado a confiança dos Condes de Calheta, tinha sido elevada a condição de dama de companhia (onde se iniciou quase criança, em função da sua inteligência e vivacidade) ama de leite dos mais velhos e posteriormente ama seca da menina Ana (Carlota, Leopoldina) Beatriz Borges de Oliveira e Souza.
Acabou sua escalada no serviço interno da família como cozinheira chefe, com as responsabilidades específicas da cocção (inclusive repostaria) e da guarda da ucharia, além da coordenação e treinamento de mucamas, lavadeiras e pajens da casa grande.
Todavia, o verdadeiro orgulho da Mamãe era a herança da própria mãe na liderança do terreiro, nas responsabilidades assumidas perante os deuses de seus antepassados, perante a mediunidade, extremamente aflorada, que lhe permitia guiar o seu povo na senda do amor, do equilíbrio e da paz negociada dia a dia, com os donos e senhores do futuro e da vida de cada um.
Entre mais a mamãe envelhecia, mais crescia seu prestigio, contava Antônio. Tinha a autoridade da matriarca, ninguém fazia ou decidia nada sem consultá-la. Até mesmo os fugidios, pediam sua orientação e bênção.
– O Conde enlouquecia de raiva, comentava o velho Antônio.
– Sabia que ela apoiava as fugas dos escravos e que ainda intermediava os bons fluidos de “nossa Senhora”, Iansã, filha de Oxúm, mãe guerreira, para “aqueles desgraçados que não sabiam com quem estavam se metendo”, segundo expressão do próprio Conde.
– Eu tenho a impressão de que a Mamãe sabia de alguma coisa que nunca quis contar e que fazia o Conde, mesmo quicando de raiva, ficar manso feito cachorro de madame. Alguma coisa ligada à família. Acho até que a menina Ana Beatriz era meia-irmã do meu avô.
– Ninguém nunca comentou nada, mas todo mundo sabia que o Conde tratava meu avô de forma especial.
– Uma vez até comprou sapatos pra ele.
– Quando fez 15 anos ganhou um chapéu de feltro, ficou muito grande, mas ele guardou até poder usar e nunca mais tirou da cabeça, eu ainda tenho o chapéu do meu avô.
– A Mamãe dizia que o moleque tinha caído nas graças do patrão. Que teria nascido com a bunda virada pra lua.
– O Seu Conde nunca gostou que a Mamãe estivesse metida no que ele chamava de cultos fetichistas.
– Ela, por sua vez, achava a igreja dos Condes muito complicada. O comportamento dos católicos não era próprio de gente boa. Eram dissimulados, bem falsos e hipócritas dizia a Mamãe.
– Os piores eram os padres, santos do pau oco, repetia.

Certa feita, pouco antes da abolição, o João Sabino, afilhado da Mamãe que tinha fugido com a Domingas para casar, lá pros lados do Leblon, num quilombo onde era muito difícil chegar por causa das terras alagadas, veio visitar o meu pai e trouxe uns pedaço do Jornal Gazeta da Bahia, contava Antônio.
– Até hoje guardo os recorte dizia, porque meu pai ficou muito impressionado com a reação da velha Lucrécia. Mostrando os papeis amarelados e mal dobrados do jornal, passou a lê-los com a dificuldade inerente a quem os olhos já não ajudam e de quem teria se alfabetizado aos poucos e com enorme sacrifício:

“ATTENÇÃO:
Fugiu do abaixo assinado, no dia 8 de maio do corrente anno, sua escrava de nome Tiburcia, crooula fula, com 20 anos de idade, natural da Feira de Sant’Anna, com os signaes seguintes: cabellos pretos cortados à escovinha, estatura regular, magra, cara larga e opada, braços e dedos das mãos cumpridos, pés grandes e grossos e dedos curtos meio-abertos: Levou vestida uma saia de chita verde de quadros, uma camisa de renda crochet e um chale de casemira azul.
Quem a prender e trouxer a seu senhor n’esta freguesia, ou em Santo Amaro a João Antunes de Oliveira, ou na Feira de Sant’Anna ao capitão João Evangelista dos Santos, será gratificado com a quantia de 50$000.
Freguesia de Sant’Anna do Lustosa, 12 de junho de 1887.
VIGÁRIO, ANTONIO MOREIRA DA SILVA.”

– Durante o mês de abril de 1887 foi publicado diariamente, no jornal Gazeta da Bahia o seguinte convite para os “capitães do matto” das proximidades, prosseguiu Antonio:

ATTENÇÃO:
“Desappareceu ha dois mezes, segundo me consta para essa capital, a escrava, de nome Jovita, cabra de 22 a 23 annos de idade, estatura baixa, corpo regular, levando comsigo uma filhinha, de idade de dois annos, côr parda, com o nome de Maria.
Está competentemente matriculada na collectoria da Villa de S.Philippe das Roças, e un dos signaes mais característicos para ser conhecida, é ter falta de dous dentes superiores em frente. Quem a levar a Maragogipe em casa do Dr. João Cancio de Alcântara, será bem gratificado.
PADRE, CORNÉLIO FERREIRA SANTOS CUNHA

– A Mamãe ficou possessa, poucas vezes a vi com a indignação aparecendo em seu rosto.
Ficava tensa; as veias do pescoço surgiam grossas, palpitando, arroxeadas, como querendo explodir.
– Porém, não falava, guardava para si aquela raiva, aquela vontade de sair do corpo e atingir os agressores onde quer que pudessem se esconder.
– Em silencio, pedia para que tocasse os atabaques e eu sabia que queria orar.
– Meditava e pedia para Olorum, pai da criação e para Oxúm, a grande mãe, o perdão e a paz de espírito para todos.
– Naquela ocasião me disse que nunca a humanidade tinha chegado tão fundo em sua depravação, em sua falta de respeito para os criadores do universo, no seu egoísmo e na sua sem-vergonhice.
– Não entendia como os próprios padres da igreja dos patrões poderiam tratar assim um ser humano e ainda se ligar a Deus como porta vozes dos seus semelhantes.
Esta e outras histórias Antônio quase recitava, preservando inconscientemente a tradição oral, à usança yorubá, vinda certamente dos tempos de D. Lucrécia.
Querendo ver, guardo também um retrato da Mamãe, falou Antônio com os olhos brilhando perante a oportunidade que se apresentava de mostrar os seus tesouros.
– Ela aparece num “daguerreótipo” sentada com a menina Ana Beatriz, de turbante branco de musselina com toda a dignidade que Deus lhe deu, emendou Antônio sem respirar.
– De cabeça erguida, feito rainha, com aquela saia enorme, colorida e estampada em cores quentes, predominando o laranja e o vermelho; chinelas do mesmo tecido e mantô contrastante em tons de roxo e lilás.
– Mas a fotografia é sépia, protestei.
– Como é que o Senhor soube as cores das roupas?, perguntei para Antônio.
– Não sei, mas tenho certeza disso, respondeu ele.
– Já vi a Mamãe muitas vezes dançando com essa roupa nos meus sonhos e eu fiz uma igual para dançar pra Xangó.
– A blusa era branca, rendada do inicio do colo para cima e fechada na sua parte inferior.
– Os colares eram maravilhosos, as joias e pulseiras enfeitavam sua beleza negra, sua postura que mais do que respeito, infundia medo, continuou Antônio sua leitura do retrato, ao mesmo tempo em que as lágrimas ainda tímidas, se precipitavam sobre o rosto, embargando a voz do homenzarrão.
– Ainda olho para ela e mesmo sabendo se tratar de um pedaço de papel sinto a sua presença, lembro-me da sua voz grave, da sua ponderação, da sua paciência e do seu amor infinito, por tudo e por todos.
– Quando entrava no salão, se fazia o silencio completo, sua vibração invadia o espaço e sua presença ofuscava quem estivesse por perto.
– Sabia o que se passava na cabeça de cada um e nunca foi necessária sua fala para que seus desejos e as suas ordens fossem cumpridos.
– Suas instruções eram claras e precisas, sempre expressas em voz baixa, ao pé do ouvido.
– Era segura, bondosa e magnânima, de olhar penetrante e arguto se consolidava como a mãe de todos, senhores e escravos.
A descrição que Antônio fazia da Mamãe, certamente ouvida do avô, era uma clara mistura entre as evidencias do retrato, as características marcantes da afetividade da matriarca e a imaginação de quem cresceu ouvindo e admirando as lendas já formadas entorno da figura central da família e da comunidade.
A mais pura tradição oral feita verdade, sem mentiras.
Lucrécia, com apoio do Conde, teria conseguido conforme seu desejo, enviar o neto, Jacintho, avó do Antonio, para o Vale do Níger, a fim de estudar as tradições tribais dos seus antepassados. Fato este atípico para escravos comuns, mas no caso da Mamãe, verificava-se mais uma vez este “estranho” relacionamento mantido com o patrão, permitindo ao Jacintho um mergulho profundo nos ensinamentos do esoterismo e do candomblé.
Jacintho passou por experiências transcendentais e foi submetido as provas e cerimônias pagãs. Entre outras coisas teria descoberto que à diferença da religião católica que considera a alma imortal, a morte na tradição yorubá, representa o fim. A alma, quando sobrevive à carne constitui motivo de preocupação e desassossego para os africanos que, ao longo de um ano, através de complexos rituais de candomblé, tentam aplaca-la e relega-la a um esquecimento execrável.
Agnès a mãe do Antônio e filha do Jacintho acabou se tornando a sucessora da Mamãe conforme desejo da própria matriarca. Jacintho o neto, mesmo com os conhecimentos adquiridos durante sua estada na África, ou talvez por este motivo, foi preterido. Voltou com muitos conhecimentos de fato, mas trouxe Epiphania a tira colo e a Mamãe aproveitou este fato para evitar a sucessão direta. Na verdade ela sabia que homem nunca representou, nem de longe, o desejo e a satisfação dos deuses africanos. Anos depois, a escolha do Antônio (com o apoio da própria Agnès para sucedê-la), refletiu mais a falta de opções femininas para o cargo do que o verdadeiro desejo de favorecer o próprio filho, neto do Jacintho.
De qualquer forma, a escolha do tataraneto, ao igual que a tentativa frustrada de preparar o próprio neto para esta responsabilidade, mesmo contra a própria tradição yorubá, manifestava certamente, o amor da “mãe” e o favoritismo inconsciente das matriarcas pelos filhos homens, espelhos ideais da força e da perpetuação da espécie.

CONTINUA……….

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O VALE DOS ARREPENDIDOS

Bordalo Pinheiro (1846-1905_Maio 1880 Já sei, já sei 34x22cm. D. Pedro II R$ 800,00 Mesmo empenhado num esforço continuado para ignorar as noticias espúrias que teimam em infernizar a vida dos cidadãos, produto de uma violência crescente, envolvendo assassinatos, consumo de drogas, roubos, assaltos e violência de todo tipo, já corriqueira na vida do País, me deparo com um fato inédito que me obriga a manifestar, não mais a minha tradicional indignação ou eventual surpresa, mas a constatação dos lamentáveis rumos seguidos pelo perverso sistema político brasileiro. O mesmo sistema que pretende ser modificado pelo Poder Executivo através de um plebiscito e que, pretensamente, responderia às vozes das ruas, ainda ecoando nas cidades brasileiras desde o mês de junho pp.
Em fato inédito no País, a Câmara de Deputados, a famosa e significativa Câmara Baixa, um dos braços do Poder Legislativo brasileiro, mostrando a perversidade do sistema político em vigor, que eles mesmos impuseram à Nação, se manifesta surpresa e profundamente arrependida por ter absolvido (sob a esdrúxula figura do abominável e nojento “Voto Secreto”) o deputado NATAN DONADON, num julgamento absurdo, impróprio e no mínimo contrario a razão e ao mais elementar espírito público. De fato, os senhores deputados, as excelências, as cabeças coroadas da política brasileira, eleitas pelo povo como seus representantes, tinham acabado de absolver um réu condenado a mais de 13 anos de prisão pelo Superior Tribunal Federal (STF)  pelos delitos de Peculato (desvio de dinheiro público no valor de R$ 8,4 milhões) e “formação de quadrilha”, já recolhido ao Presídio de segurança máxima da Papuda, na Capital Federal.
Traduzindo ao português, apenas para tentar entender, concluímos que um réu condenado pela mais alta corte do País, por acaso Deputado Federal eleito pelo povo de Rondônia, ao ser julgado pelos seus pares na Câmara, obviamente para revogar o mandato, pela sua atitude comprovada de falta de ética profissional, é absolvido, teoricamente podendo continuar a exercer o seu mandato, mesmo de dentro da cadeia.
Todavia, pior do que o fato em si, resulta o reconhecimento de que a absolvição se deu, na prática, “contra” a opinião do colegiado, apenas porque o perverso sistema a que nos referimos, com base no voto secreto, foi comandado pela maioria constituída pelos deputados ausentes, por aqueles que optaram pela abstenção e obviamente pelos cretinos representantes do povo que acharam viável um corporativismo deste nível.
A tal cretinice, objeto desta crônica do absurdo, foi tão evidente, tão insultante, tão desrespeitosa à inteligência do povo brasileiro, que não houve tempo para que a opinião pública se estruturasse num protesto orquestrado (entre surpresa e perplexa ainda ria do seu próprio destino). Suas excelências, ilustríssimos integrantes da atual legislatura, perante a perspectiva do imediato repúdio por parte da sociedade brasileira, manifestaram o seu arrependimento de coração (obviamente, condição indispensável para obter o perdão de todos aqueles que pagamos os seus polpudos salários).
Apenas para dar o lugar que cabe ao mestre Pitágoras, nestas contas verdadeiramente duvidosas, como todas aquelas através das quais se pretende enganar o povo brasileiro, podemos dizer que, para surpresa dos seus eleitores e dos inocentes e crédulos desavisados, dos 513 ilustríssimos e arrependidos deputados da Câmara, 104 não votaram. Destes, 50 “expertos” deputados estiveram no plenário, mas acharam melhor não participar da decisão e dos 409 votantes, apenas 233 votaram a favor da cassação, ou 24 a menos do que o necessário para a perda do mandato do já famoso deputado larápio Natan Donadon (tem gente, como eu, que pensa que com este ato foi atingido o melhor dos mundos, ou seja os deputados na cadeia, mas para não generalizar, acho que muito poucos, mas muito poucos mesmo poderiam se dar ao luxo de atirar a primeira pedra).
Outros deputados, por incrível que possa parecer, aparentemente cientes da viabilidade de manter um dos seus pares no exercício do mandato, mesmo estando preso, (131) votaram contra a cassação, 4 optaram pela opção “obstrução” no painel eletrônico e 45, embora presentes, mas pendurados no muro da indecisão, acabaram optando pela abstenção.
Nesta votação, obviamente secreta como é do gosto dos políticos, teriam sido necessários para a cassação, pelo menos 257 votos.
Assim, coroando a ridícula postura dos nossos representantes, plasmada numa votação absolutamente inviável, o Presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), num momento de rara infelicidade, decidiu afastar Donadon (que voltou algemado para a cadeia), convocando o suplente Amir Lando (PMDB-RO) para assumir o mandato, sem perceber que com esta atitude, estava consagrando a permanencia do deputado na Casa. Mal assessorado e impulsivo poderia até ter esperado por mais 4 faltas do novo presidiário, às sessões ordinárias para, de acordo com o artigo 55 da Constituição, ser automaticamente privado do seu mandato.
Fica a lição, fica a desilusão e a incredulidade, fica a gargalhada escancarada e autêntica, tal qual só a Fafá de Belém seria capaz de esboçar, fica o aprendizado e a dúvida.
Receio a efêmera fama de Donadon como o mais novo herói de historia em quadrinhos e muito mais a eventual admiração por parte das crianças pela sua inquestionável “expertise”, além de me lembrar, com profunda tristeza, da impactante expressão que o nosso rei Pelé exteriorizou em plena ditadura militar:
– ”brasileiro não sabe votar” teria dito a cabeça coroada na ocasião e hoje, mais de 40 anos após a lamentável opinião, ainda me pergunto:
– “será que brasileiro não sabe votar?”
HB
Em tempo: Após ter livrado da cassação o Deputado Donadon (hoje mais conhecido como “DANADON”), pela inconsciência do poder da inércia do voto secreto (ou quem sabe pela consciência plena), ontem, 03 de setembro de 2013, ou seja há uma semana do lamentável “dia do perdão”, os arrependidos, votaram por unanimidade o fim da figura nefanda do “voto secreto” e no auge eufórico da comemoração, o Presidente da Casa, Deputado Henrique Eduardo Alves, nos disse: “ESTE É O VERDADEIRO ESPÍRITO DA CÂMARA”

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