Arquivo do mês: junho 2013

OS ELEFANTES

AM Elefante Gravura 50x35cm. Ed. da FAM Rubicada pelo filho (T=100) R$ 120,00 Impossível deixar passar o momento vivido pela juventude brasileira sem fazer algum comentário, nem que seja em poucas palavras, porém marcantes. Palavras de aprovação, de incentivo e de liberdade. Impossível para alguém que com apenas 24 anos participou e viu morrer muitos dos seus companheiros, amigos e professores, porque numa passeata (aparentemente pacífica) o governo federal decidiu enviar alguns helicópteros para metralhar a juventude mexicana reunida no dia dois de outubro de 1968, no bairro de Nonoalco Tlatelolco da capital mexicana, a dez dias da inauguração dos XIX Jogos Olímpicos da era moderna.
Era a minha vez de protestar. Eu era jovem (não existiam as balas de borracha) e como tal, idealista o suficiente para ir às ruas para manifestar a minha indignação, a minha total insatisfação com as prioridades do governo e a péssima aplicação do dinheiro dos (meus) impostos. Era inadmissível patrocinar uma olimpíada quando não se tinha dinheiro suficiente para garantir o funcionamento dos hospitais e das escolas públicas, quando as tarifas pagas pelo transporte público são incompatíveis com o padrão de vida do povo e quando o salário mínimo (que tem piorado muito desde então) não era mais suficiente nem sequer para cobrir as necessidades básicas de alimentação da população.
O presidente da República, através da mídia, externava os argumentos do poder público: “Não podemos admitir que o México deixe de cumprir seus compromissos esportivos de caráter internacional, em função de um grupo de baderneiros (à época eram obrigatoriamente comunistas) empenhados em denegrir e enxovalhar as instituições democráticas do País” (“A Versão dos Vencidos: Uma Ótica sobre a História do México”; Borges, Humberto. Letra e Imagem Editora / Folio Digital; Rio de Janeiro 2012 / 263 págs).
Porém, tratava-se da mesma juventude (as novas gerações de qualquer país) inconformada com o mundo que lhes foi legado. Tratava-se apenas de cidadãos conscientes, na flor da vida, tentando mudar o mundo.
“DESCULPE O INCÔMODO, ESTAMOS TRABALHANDO PARA MODIFICAR O BRASIL”, diziam algumas mantas e camisetas dos participantes das passeatas (aparentemente pacíficas) que pipocaram na última semana por todo o Brasil. O mesmo pretexto (as elevadas tarifas do transporte público) e a mesma indignação legítima (já incontida) e alimentada pela corrupção, a impunidade e o cinismo dos representantes do povo na Câmara Baixa e no Senado Federal. As novas gerações querem apenas “Ordem e Progresso”.
Alguém disse: meu avô lutou e conseguiu as “Diretas Já”, meu pai lutou e conseguiu o “Impeachment do Collor” e eu vou lutar para acabar com a corrupção no meu País (e vou conseguir).
Tudo bem e o que tem a ver isto tudo com os elefantes?
E com o povo brasileiro? E com as manifestações pacíficas e até com os baderneiros?
Quer me parecer que tem tudo a ver, quero acreditar que as qualidades e as limitações dos paquidermes sempre caracterizaram as lutas da juventude e ainda hoje parecem identificar-se com a luta da juventude brasileira para reconstruir os valores deste grande País.
Afinal descobrimos que o elefante estava amarrado com barbante. Descobrimos que somos capazes de revolucionar, de modificar a realidade existente, apenas com a força da indignação legítima, descobrimos que o grande mamífero, símbolo da força e da determinação, mesmo pacífico, nunca esquece.
Descobrimos também que o bom Deus, não quis que ele voasse, porque seria um desastre, mas lhe concedeu as noções básicas da convivência em grupo e de ajuda mútua, necessárias para garantir sua sobrevivência. Os “dumbos” voadores estão sendo identificados como vândalos que nada tem a ver com a pureza do movimento e que merecem o repúdio da sociedade, seja qual for o partido, o sindicato ou a (des)organização a  que estiverem filiados.
Até gostariamos que todos os elefantes fossem azuis, mas para infelicidade geral da nação, são brancos, lindos é verdade, porém os mais caros do mundo e financiados com dinheiro público.
Difícil foi vencer a inércia para iniciar a caminhada, (os elefantes chegam a pesar quase 7 toneladas) mas a internet e as redes sociais parecem ter superado as pedras do caminho vencendo qualquer inércia que por ventura possa persistir e são também incapazes de frear a caminhada e o bramido deste nobre animal quando enraivecido.
Que a consciência adquirida possa prevalecer na juventude brasileira e que estes jovens de hoje, caras pintadas ou não, vestidos de branco ou de qualquer cor, idealistas como todos os jovens do mundo, possam perpetuar seus ideais de um mundo melhor, nem que seja apenas para legar à sua descendência o título de bons cidadãos (e verás que um filho teu não foge à luta).
HB

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TERIYAKI COM PIMENTA (minha saga oriental)

Ninhos JaponesesSamurai IVYamashiro Hiruma e Petra Sanchez Yamashiro Hiruma, cidadão japonês, nascido em plena era Meiji (1867-1912) na cidade de Yokohama, Edo (atual área metropolitana de Tóquio), herdeiro das tradições e da filosofia oriental, embaixador do Império do Sol Nascente (por vontade própria e espírito aventureiro) meu bisavô (por parte de pai), desembarca no México no fim do século XIX e acaba casando com a mexicana Petra Sanchez, minha sorridente bisavó, gerando uma descendência entre a qual me insiro com orgulho e satisfação. Era de otimismo, de expansão e de vitórias após a derrocada do regime do Xogunato. MEIJI TENNO ou o imperador do “Japão do futuro” põe fim ao regime feudal e vence sucessivamente a China (1895) e a Rússia (1905) estabelecendo-se posteriormente na Coréia e na Manchúria. Os japoneses começam a se voltar para o mundo exterior e iniciam seu movimento migratório à procura de novos horizontes após mais de 300 anos de fechamento total, de introversão, de consolidação das tradições, da filosofia e da religiosidade, características tipicamente orientais, hoje reconhecidas e admiradas pelo resto do mundo.
Ancestralidade esta pouco conhecida da própria família, ninguém perguntava nada, ao parecer, as pessoas sofriam em silêncio, a introversão à época parecia fazer parte da educação. Meu pai nasceu cinco anos depois do decesso do avô Yamashiro e nunca soube da existência de registros de nascimento. Algumas certidões de batismo e atestados de óbito eram guardados a sete chaves e sempre ocultos à vista das crianças. Nenhum passaporte, nenhum vestígio da sua personalidade, nenhuma lembrança. Ninguém foi capaz de identificar qualquer traço de bondade, ou de um eventual “mau-caratismo” de Yamashiro; nada sobre sua religiosidade ou de qualquer legado desta estranha e misteriosa figura vinda do outro lado do mundo.
Embora sempre soubesse, tomei consciência de ser bisneto de japonês, depois dos meus trinta anos. Na verdade, nunca dei importância aos antepassados, mas hoje estou convencido de que, quando esquecidos por nós, efetivamente morrem mais uma vez.
Sobraram apenas algumas fotos, todavia, mesmo observando-as com atenção, me declaro absolutamente incompetente para descrever um japonês: “tal vez baixinho, olhos amendoados “ma non troppo”, cabelo liso ao extremo, porém não espetado, alinhado pela esquerda, grave, muito sério, só minha bisavó aparece sempre sorrindo no que foi o seu segundo casamento (porém vestindo luto em função da sua viuvez), sobrancelhas quase retas, testa larga, rosto mais para alongado do que para lua, bigode ralo e fino de quase lampinho, levemente levantado nas pontas (lhe conferindo uma imagem entre mandarim e cantor de bolero, absolutamente oposta à figura marcante dos samurais) e uma pérola no nó da gravata que, imagino, fosse mais imposta pela moda da época do que pelo gosto pessoal de alguém aparentemente inconfortável num terno (com colete) mais preto do que a minha consciência e uma camisa branca de colarinho mais engomado do que pinguim argentino”. Em fim, observando as fotografias com boa vontade e empurrado pelo orgulho de ter no sangue algum percentual do misticismo, da disciplina e de todo aquilo que admiro nos orientais em geral e nos japoneses em particular, diria que Yamashiro meu bisavô, era de fato japonês. Mas que poderia ser mexicano poderia.
A falta de cor na vida dos que presenciaram a passagem para o século XX continua a nos parecer muito marcante, aparentemente ninguém sorria como nos fizeram acreditar nossos antepassados através dos próprios registros iconográficos e as roupas coloridas, próprias da era de Aquarius, ainda demorariam a aparecer. Ninguém questionava tradições e costumes, criança só falava com adulto quando instada a fazê-lo e felicidade era uma característica absolutamente circunstancial, desconhecida por muitos e experimentada em momentos esporádicos por alguns (aparentemente) muito poucos.
Perguntando insistentemente para os mais velhos da família e pesquisando na Embaixada do Japão na cidade do México e no Museu Histórico da Imigração Japonesa no Brasil, soube de algumas particularidades que tornaram a presença de Yamashiro entre nós, no mínimo intrigante e por demais curiosa, além de extremamente rica em desdobramentos carmicos com relação ao Império do Sol Nascente e seus habitantes.
A descoberta da existência de cartas vindas de Yokohama e que por falta de tradução, ficaram durante muito tempo numa das gavetas da minha avó paterna, (filha de Yamashiro, falecida em 1937 aos 36 anos de idade) além da possibilidade real de ter embarcado para América junto com Wasaburô Ôhtake (1872-1944) lexicógrafo japonês, contratado pela Marinha Brasileira para elaborar o primeiro (e até hoje mais importante) dicionário japonês-português, pelo fato de ambos terem nascido em Yokohama, (à época pequena vila de pescadores na baia de Tóquio) e pela probabilidade de terem sido amigos ou, no mínimo conhecidos, embarcando numa verdadeira aventura juvenil para conhecer o mundo, atiçaram ainda mais o meu interesse no sentido de resgatar a memória do meu bisavô.
Yamashiro, já na última década do século XIX, (já que sua primeira filha mexicana, minha avó Guadalupe, teria nascido em 1901) optou por desembarcar no porto de Mazatlán e Wasaburô, ao que tudo indica, teria permanecido viajando, até bem entrado o século XX no famoso navio Kasato Maru, (que partia de Yokohama a cada dois anos), na tarefa de aperfeiçoar sua magnífica obra literária, até hoje vendida até nas bancas de jornal do bairro da Liberdade na cidade de São Paulo. O Kasato Maru, diga-se de passagem, tendo saído em 1908 do porto de Kobe no Japão com destino ao Porto de Santos, trouxe ao Brasil a primeira leva oficial de imigrantes japoneses (781 pessoas pertencentes a 165 famílias), vinculados ao acordo assinado entre o Brasil e o Japão, especificamente para se abrirem frentes de trabalho nos cafezais do oeste paulista. Este imponente navio que já tinha içado a bandeira russa (com o nome de Kazan), foi originalmente utilizado como navio-hospital durante o confronto Russo-Japonês (1904-1905), passando a poder dos japoneses como indenização de guerra, para finalmente, ser destinado ao transporte de passageiros, especificamente de migrantes japoneses para o Havaí, em 1906, e para o Peru e o México, em 1907. Durante longo tempo, o Kasato Maru foi o único navio japonês responsável por trazer sucessivas levas de migrantes japoneses para América, partindo de Yokohama (justamente a cidade natal de Yamashiro e de Wasaburô) fazendo escalas em São Francisco e Los Angeles nos EUA, em Mazatlán no México, Callao no Peru e posteriormente, contornando o Estreito de Magalhães na “Tierra del Fuego”, (já que o Canal de Panamã só seria concluído em 1914), aportando também no porto de Santos (SP), no Rio de Janeiro (RJ) e em Belém (PA) no Brasil.
Todavia, alguns (muitos) migrantes japoneses, (entre eles Yamashiro e Wasaburô), já teriam conseguido chegar a vários paises latino-americanos, (além dos EUA) fugindo da guerra sino-japonesa (1894-1895), fundando inclusive, no Brasil, uma colônia agrícola na fazenda Santo Antônio, atual município de Conceição de Macabu (então distrito de Macaé), no estado do Rio de Janeiro.
Na verdade, o velho Yamashiro (que não tinha nada de velho, pois teria falecido no máximo com menos de cinquenta anos, na década de 1910) pertencente a uma nova geração de autênticos bandeirantes, permaneceu conosco apenas o tempo suficiente para deixar sua semente oriental e uma saudade praticamente vazia, quase nostalgia, que até hoje nos intriga. A rigor, daria qualquer coisa para reviver e registrar o verdadeiro caráter, a verdadeira personalidade, as verdadeiras preocupações, alegrias e tristezas, não apenas do meu bisavô, mas de todos meus ancestrais. Este texto é provavelmente a maior prova desta vontade.
O nome Pepe Girma, como era conhecido Yamashiro no México, em nada lembrava minha origem nipônica. Os olhos rasgados do meu pai quando criança e a lembrança remota dos orientais em alguns gestos do meu primo Ernesto, hoje na faixa dos quarenta anos, mais nos pareciam de origem indígena, de qualquer forma, mal sabíamos, como constatado posteriormente, tratar-se de “la même chose”. Quero acreditar nesta aparente lógica para tentar explicar o evidente apagão das origens.
Registro aqui a facilidade (comprovada) com que os japoneses entendem alguns dialetos indígenas do interior do México (e vice-versa) confirmando terem sido gerados a partir de um tronco linguístico comum, além da grande semelhança comportamental e genética entre os povos de ambas as nações.
Pepe Girma chega então ao México no fim do século XIX, com presumíveis 22 anos, aportando na cidade de Mazatlán no estado de Sinaloa, para enfrentar, com certeza, a já arraigada burocracia existente no país e principalmente a idiossincrasia dos fiscais do departamento de migração lotados naquele porto. Muito embora a educação do povo mexicano esteja fora de questão, inclusive por vezes exagerada pela herança compulsória de submissão a que durante quase 300 anos de colonização fomos submetidos, temos que reconhecer as dificuldades enfrentadas por este tipo de burocratas que, certamente, em horário imprevisível de chegada do navio ao porto e provavelmente obrigados a fazerem a triagem para quarentena, obrigatória naquele tempo para os imigrantes, seu natural sentido do humor, teria desaparecido há muito tempo.
Nem sempre conseguem (melhor dizendo nem sempre conseguimos) dizer apenas “seja bem-vindo”, ou “nós gostamos de você” sem perpetuar uma brincadeira ou colocar um apelido em função da imagem ou da origem do visitante, sem que isto constitua qualquer tipo de discriminação. Só quem morou no meu país ou quem conviveu de alguma maneira com o povo mexicano, entende com facilidade as dificuldades do Yamashiro para provar (notadamente naquela época) que ele era ele, que seu nome era aquele e que (até por ser japonês) estaria vindo do longínquo Japão.
O certo é que, quando instado a declinar o seu nome, sem compreender uma palavra de espanhol e principalmente sem compreender o misto de boas-vindas e deboche, características peculiares do “caráter” do povo que naquele momento o recebia, o nome Yamashiro, pelo seu grau de dificuldade, tornou-se “Pepe”, apelido de “José” no México (equivalente no Brasil ao famoso “Ze”) e Girma, sobrenome do meu pai por parte de mãe, equivalente a exata pronuncia de Hiruma, provavelmente por ele mesmo enunciada para o fiscal de turno, mas efetivamente, pessimamente grafada pelo graduado funcionário da migração e que por anos e anos me fez perder a referência de alguma ascendência japonesa.
Pepe Girma, provavelmente pescador que acabou se especializando na fabricação de móveis de vime e similares, acabou contraindo matrimonio com minha bisavó Petra Sanchez, “oriundi”, (do México), porém viúva do italiano Pietro Barati, quem seguindo a sina dos estrangeiros, ou tal vez apenas sofrendo também a perseguição dos funcionários da migração mexicana, acabou perdendo a letra “i” do sobrenome herdado do seu pai, legando para seus filhos apenas o sobrenome incompleto “Barat”. O casal Girma (Hiruma) teve dois filhos maravilhosos, Carlos e Guadalupe (minha avó paterna) e ao que se sabe (em que pese o sem número de empecilhos) viveram felizes para sempre, assim, sem registros, sem vestígios, sem heranças e sem títulos. Era assim que se vivia e se morria na classe média (pré-revolução) no México, onde nasci e cresci e onde, até hoje, procuro os verdadeiros motivos de tais acontecimentos.
Todavia, o verdadeiro carma japonês se manifestaria cedo na minha vida, certamente não por coincidência e não apenas nos olhos amendoados, na cor da pele ou na estatura que, pouco ou nada diferem das características antropomórficas dos povos mesoamericanos, mas principalmente na admiração pela destreza incomensurável mostrada pelos japoneses em todo o que fazem e em todo o que já fizeram.
Sempre admirei os detalhes, o perfeccionismo, a dedicação, o equilíbrio e a obstinação dos japoneses, tanto nas artes em geral, como no artesanato, nas lutas marciais, no cerimonial, nos ritos e nas tradições. Mundo fascinante que fui descobrindo aos poucos, num quadro (da centenária Tomie Ohtake), numa escultura de marfim ou de madeira, na cerâmica requintada do Momoyama, no sofisticado preparo de suas comidas e bebidas, no cinema-arte de Kurosawa, na arquitetura-arte e técnica de Kenzo Tange e do próprio Rui Othake, filho da Tomie, (considerado por mim o melhor arquiteto brasileiro da atualidade), na arte do bonsai, que pratico com fascínio (não na pretensão de domar o crescimento das árvores, mas na férrea intenção de disciplinar a mim mesmo) e na minha (aparentemente) estranha e muito maluca fascinação pelo Sumô e pelo Taikô.
Esta herança acabou sendo maior do que poderia imaginar. Coletivamente, japoneses e mexicanos, nem sequer conseguimos fugir da odiosa belicosidade dos antigos samurais e homens ninjas ou seja lá o que isto quer dizer. O fato é que, na minha modesta opinião, numa mistura indissolúvel de tradição, agressividade, competição e prepotência, advinda de um complexo de superioridade mal resolvido, ambos os povos, (incluindo neste critério também bolivianos, peruanos, equatorianos e todos aqueles descendentes das doze tribos, que junto com os aztecas , maias, incas, quéchuas e araucanos, invadiram este continente vindos da Ásia, através do estreito de Behering), nos tornamos capazes de discriminação entre as próprias organizações tribais, menosprezando todos aqueles que não são como nós, inclusive sem saber ao certo o porquê.
O monte Fuji, para mim, sempre foi tão familiar quanto o Popocatépetl, na verdade são quase iguais. À orografia mexicana só faltam às cerejeiras em flor do outono japonês, para poder sentir o mesmo cheiro da paisagem. De resto, as mulheres, baixinhas, carregando seus filhos embrulhados nas costas, num só corpo com as mães, caminhando sempre atrás do seu homem, ou sentando na clássica postura (sem denominação em português) que tanto caracteriza as gueixas como as indígenas mexicanas, apoiando os joelhos no chão e o traseiro sobre os calcanhares, indistintamente para fazer chá, “hechar tortillas” ou lavar roupa na beira dos rios, cabisbaixas, num misto de respeito e humildade, continuam a provar a origem comum de ambos os povos .
Esta influencia japonesa, para mim existe até hoje, e tendo-se manifestado sempre ao longo da minha vida, deixou marcas, amizades, lembranças e saudades.
A família Kawabe, por exemplo, sobre a qual poderia ser escrito um livro completo, migrantes de pós-guerra, se não fundadores da colônia japonesa no México, certamente incentivadores da união da comunidade no novo país e do fortalecimento das tradições (hoje no alvorecer da quarta geração), apareceu na minha família sem que eu soubesse e nem sequer suspeitasse da amizade surgida entre os nisseis mais velhos da família e meu pai, através de relações profissionais.
A descoberta da presença do Sol Nascente no México deu-se para mim na década de 50, quando me empenhava no curso básico e os meus colegas de olhos rasgados eram o “inimigo” a ser vencido na arena do aprendizado. Matsumotos, Sekiguchis, Yoshiokas, Toshishigues e outros sobrenomes de famílias atuantes no comércio ou na indústria nacionais, destacavam-se, ainda no curso primário, pela sua inteligência e dedicação. Soube mais tarde que todos eles complementavam sua formação nos cursos extracurriculares da Escola Japonesa e, em tanto eu jogava bola (às vezes de gude), eles apreendiam japonês (fala e escrita), ábaco, artes plásticas e não sei mais o que. Sempre me impressionaram pela sua competitividade e obstinação. Mais tarde, já em plena adolescência tornaram-se companhias inseparáveis nas festinhas de sábado à noite em que reinavam os “Platters”, “Ray Conniff” e o próprio Elvis a quem imitávamos no topete, independentemente da nossa origem genética.
Conheci Sachie Kawabe, minha amiga nissei do peito até hoje, em l958 e gradativamente, nos anos subseqüentes, a família toda. O velho Kawabe, de quem aprendi a não desperdiçar nenhum grão de arroz (vocês não sabem o trabalho que dá cultiva-lo, dizia); a matriarca, querida e saudosa “Obachan”, batalhadora, centralizadora e possuidora de toda a filosofia oriental que ensinava aos poucos, em comprimidos homeopáticos, a próprios e estranhos para que pudéssemos compreender o mundo em que vivíamos. Helena e Teruko, suas irmãs, Shigue-nori o saudoso irmão casula, já falecido. Família encantadora da qual só recebi carinho e ensinamentos.
Obachan (termo respeitoso em japonês equivalente a “senhora”) virou nome próprio. Nome de batalha, sinônimo de garra, de empreendimento, de quem segura a própria peteca e a de todos aqueles que dela se aproximavam. Casou por procuração, sem conhecer o marido. Ele no México, ela no Japão (em plena segunda grande guerra). Por determinação paterna, viajou já casada para Tijuana. Assumiu suas responsabilidades e, mesmo viúva, com os filhos em formação, só continuou sua caminhada espiritual quando todos tinham condições de sustento. Deu-me a oportunidade de participar, como arquiteto, do empreendimento que sob a sua coordenação, resultou em sucesso absoluto, nem tanto pelo seu retorno financeiro, como principalmente pela visão comercial, que consolidou, há quase 50 anos, a verdadeira febre pela degustação da comida japonesa no ocidente: o SATSUKI, primeiro restaurante japonês da cidade do México, foi uma feliz e satisfatória experiência pela qual não recebi honorários profissionais, mais apreendi a comer (sempre de graça) o “tamago-yaki” preparado por Obachan em frigideira quadrada e o que é mais importante, preparado (com amor) exclusivamente para mim e na minha presença. Outras comidas preparadas na clandestinidade do restaurante, “from Helena’s Kawabe Kitchen”, mistura deliciosa digna dos deuses do olimpo, entre as cozinhas mexicana e japonesa, também me eram franqueadas me fazendo sentir, depois de alguns anos, verdadeiramente aceito e integrado à família Kawabe.
Esta intensa convivência, ainda presente na minha vida e com a qual concluo minha homenagem ao Sol Nascente, ao Imperio esplendoroso e cheio de mistérios dos meus amigos de olhos amendoados em geral e ao meu bisavô Yamashiro Hiruma em particular, permitiu-me participar de uma reunião familiar na casa dos Kawabe, na colônia Cuauhtemoc da cidade do México (como participei de outras tantas nas quais bebi sem limites da profunda e milenar filosofia oriental).
Década de 1960, estouro da pílula anticoncepcional, “Womens Lib”, queima de soutiens na França e nos EUA, década do ano que nunca acabou como nos diz de 68 o grande Zuenir Ventura, tempo de esticar os limites, do crescimento dos divórcios, das separações e dos abortos. Prenuncio de Woodestock, dos Hippies, do Peyote Chamula, do esplendor de Maria Sabina e Simone de Beauvoir (e do fim das virgens).
A reunião com os Kawabe e amigos, pegando fogo. Obachan participava quietinha. Seu silêncio, sempre marcante pela sua sorridente presença, impunha o respeito necessário. Ela sempre se pronunciava no fim das reuniões e dificilmente sua opinião deixava de ser acatada, em que pese a irreverência da nova geração, entre a qual eu me incluía. O tema na ocasião era a incidência, em crescimento vertiginoso, dos casamentos nisseis em que a noiva se apresentava à cerimônia “ligeiramente grávida” (na colônia japonesa da época, como em todas as pequenas comunidades, mais cedo ou mais tarde, tudo se sabia).
Opiniões discordantes e acaloradas; a favor, os jovens com a vida pela frente, (argumentos mil); contra, os mais conservadores, sem importar a idade, (argumentos mil). Obachan sentada em silêncio, balançava as curtas perninhas que Deus lhe deu, porque não chegavam até o chão.
Empate. Sem conclusões. Ninguém ganha, ninguém perde.
A participação da experiência se torna indispensável e alguém pergunta a opinião da matriarca. O silêncio se faz. Todos escutam e na tradução mais sabia, profunda, prática e simples da milenar filosofia oriental, escutamos a tão esperada participação que encerrou definitivamente a discussão e a própria reunião familiar de sábado à tarde: EU NÀO DIZENDORO NADA, NO?, PORQUE TENDORO FILHAS CASADEIRAS E NUNCA SABENDORO QUANDO ABRINDORO AS PERNAS, NO?

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O MUNDO DA BURROCRACIA (a crônica anunciada do irremediável)

Palhaço Certamente estou ficando velho; o mundo não tem mais espaço (nem paciência) para os idosos ou, no mínimo, a sua experiência parece dispensável. Com frequência, acho que sou a bola da vez, o velho da hora, a Brasília amarela de antigamente que ninguém mais acha bonitinha.
A gente fala menos (não adianta falar muito, a geração “Y” está convencida de que o mundo nasceu junto com ela), fazemos de conta que não ouvimos (para não ter que rebater as falsas premissas e os silogismos estapafúrdios do quotidiano) e até caminhamos devagar (para evitar sermos atropelados). Mas provavelmente, a observação mais cruel que podemos colher do mundo de hoje é a evidente robotização dos mais jovens. É a burrocracia que grassa no planeta (não é privilégio do Brasil), sem generalizar, os jovens dão a impressão de não mais se envolverem com o trabalho que desempenham, seu raciocínio parece ter sido decorado do manual de sistemas e procedimentos das empresas, além (provavelmente) de terem sido proibidos (sob pena de tortura e prisão incomunicável) de exercitar a única faculdade que nos diferencia dos outros animais (a ponto de que grande parte dos funcionários do comercio, por exemplo, apenas para citar um fato corriqueiro, precisam de maquininha de calcular para determinar o valor do dez por cento, correspondente a eventuais descontos a serem concedidos e não por desconhecerem a tabuada, mas porque se tornaram incapazes de pensar).
Éverdade que os nossos reflexos não são mais os mesmos que a visão tem diminuído a olhos (mais ou menos) vistos, as dores, mesmo sendo amigas, (por vezes de longa data), tornaram-se cansativas e o mundo todo parece lutar com afinco redobrado para dificultar a nossa vida. Em certas ocasiões parece um verdadeiro complô para nos desestabilizar.
Ser idoso, deficiente físico, ou aposentado, são as características do antigo caçador de leões, daqueles que para sobreviver precisavam matar apenas um por dia, hoje são dois e por vezes três ou mais feras famintas e dispostas a atacar a qualquer momento, apenas para podermos continuar a viver.
Para se ter uma ideia desta luta diária (já pouco apropriada para alguém que supostamente trabalhou a vida toda e teoricamente adquiriu a maturidade, a paciência, a cordura e eventualmente até a sabedoria) seria suficiente tentar apenas a reivindicação de qualquer um dos seus direitos, tanto na iniciativa privada como perante qualquer um dos poderes constituídos. Recentemente, por exemplo, fui surpreendido com a exigência de ter que apresentar a minha carteira de identidade (RG), porque a famosa CNH (Carteira Nacional de Habilitação) para o funcionário da vez, seria insuficiente (ordens superiores, evidentemente inquestionáveis), sem mencionar os exames médicos recusados pelos planos de saúde, a necessidade de provar que se está vivo, as cópias autenticadas, o abuso de poder, a falta de vagas (para qualquer pretensão), ou de gaze (para qualquer intervenção), os contínuos da terceira idade, recontratados pelas empresas para agilizar os pagamentos bancários, os espertos que estacionam nas vagas ou sentam nas cadeiras preferenciais e uma lista infinita de agressões e ações conscientes e inconscientes de desrespeito cívico e social.
Paralelamente à minha escrita-desabafo, me lembro do desrespeito generalizado pelos anônimos (já que não os conhecemos; ao parecer, não cumprimentar o vizinho, parece livrar-nos de qualquer formalidade ou responsabilidade para com ele, como nos diz o eminente antropólogo brasileiro Roberto DaMatta e ouço a maravilhosa crônica do brilhante e experiente jornalista Salomão Schvartzman em que descreve o “jeitinho brasileiro de ser” (vivemos na terra do jeitinho, nos diz Scvartzman, 190 milhões de brasileiros espertos, completa) é o sucesso absoluto da “Lei de Gerson”, uma lei que pegou, para tristeza do magnífico canhotinha de ouro: “o negocio é levar vantagem em tudo, certo?”.
“Estamos aí mano”, “vamos nessa”, “não me enche”, “o resto que se dane”, “quebra esse galho”, “xá comigo”, “depois a gente acerta”, “uma mão lava a outra”,  “devo não nego, pago quando puder”, “você não confia em mim?, já disse que vou pagar”, “eu deito e rolo”, “eles estão comendo na minha mão”, “ninguém é de ferro”, “sempre cabe mais um”, volta para a garrafa brother”, apareça lá em casa” e Deus? pergunta o grande jornalista e ainda nos responde interpretando um povo com deformações éticas e sociais cada vez mais acentuadas, Deus?, Ele que se vire e conclui dizendo: Viver não dói, o que dói é a vida que não se vive…………e seja feliz (ou pelo menos tente, complemento eu).
Como poesia se faz em qualquer condição como a suprema expressão dos sentimentos, destacando o bom, o belo, o ruim e o feio e sentindo-me o próprio Pedro (aquele, o pedreiro, o que morreu na contramão, atrapalhando o trânsito) como celebrado pelo popular poeta Chico Buarque, arrisco alguns versos de protesto (sob o título: FRUSTRAÇÃO), na pretensão de iluminar o caminho dos idosos (como eu), dos aposentados (como eu) e dos portadores de deficiência física (como eu) que hoje dependemos da caridade do poder público para sobreviver e da boa vontade da iniciativa privada para conseguir um lugar ao sol.Palhaço Italiano Rejane

FRUSTRAÇÃO
Massacrado, (literalmente humilhado),
Pedro (aquele, o pedreiro) apanha (sem chiar),
ora (sem pensar) e murcha (no entardecer),
tem vontade de matar (sem protestar).

Não pode parar (apenas cala),
quer amar (sem questionar) e sofre (sem desejar).
Move-se (por instinto),
sem vontade (e sem sentimento).

Espera pela justiça (que demora),
pelo consolo (que não chega),
pelo amor (ainda distante) e
pelo sol (que deveria sair para todos).

É a incompetência (que grassa)?
ou a insegurança (que arrasa)?
É a ignorância (que abraça)?
ou a maldade (que atrasa)?

Sem ilusão, Pedro (vaga pelas ruas),
vive sem razão, (na frustração),
na contramão, (não mais atrapalha o trânsito) e
sabendo que a esperança é finda, (pretende ainda o amor infinito).
HB / maio de 2013

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